sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Flores murchas




Creio que um bom indicador acerca da falta de qualidade de um livro está na falta de sentido crítico do autor para com o seu próprio trabalho.
A incapacidade de perceber que se errou na estrutura escolhida, mesmo que tal só seja visível nas últimas páginas, devia condenar um escritor a não ser lido.
Não reiniciar o livro quando, a caminho do final, há que adicionar novos narradores - por vezes para capítulos avulso - para alcançar a conclusão é uma falha do labor de escritor.
No caso específico d'O Que Viram as Flores há um único ponto de vista, intermitente entre a idade adolescente e adulta, até que a ignorância da protagonista precisa de ser compensada com o conhecimento de outros intervenientes, secundários até aí.
A sua súbita relevância é, não só a má solução para os problemas estruturais do livro, é também a reviravolta de uma trama encalhada numa falta de sugestividade ou suspense.
A história debruça-se sobre a tentativa de provar que um homem condenado à morte é, afinal, inocente. Isso implica muito trabalho de sapa acerca de técnicas forenses com a abdicação das descrições de maior intensidade ou da criação de um ambiente de tensão.
Não há interesse em detalhar os crimes que deixaram Tessa no topo de uma pilha de cadáveres de jovem raparigas. Nem em percorrer a vida da protagonista do ponto da sua sobrevivência até ao seu presente.
A Tessa jovem que fala com um psiquiatra e a Tessa adulta errática mas obsessiva nos cuidados com a filha não são identidades conciliáveis numa só personagem.
Nada torna uma consequência da outra ainda que haja a intenção de afirmar que a personalidade presente seja paranóica devido àquele evento passado.
As duas duas décadas que as separam ficam vedadas mas com uma maternidade de permeio, algo mais tem de ter moldado a protagonista.
Julia Heaberlin evita tudo o que lhe exigira aturado trabalho, ao invés preferindo adicionar elementos de atroz vulgaridade que acrescentam páginas e nada mais.
O interesse romântico, que deve ser uma inevitabilidade na vida de de qualquer mulher protagonista é um dos mais gritantes. As vozes das outras vítimas ressoando na cabeça da protagonista é outro.
São elementos que só acrescentam ao número de buracos que a trama tem e que nunca são resolvidos.
A única tentativa de Heaberlin mostrar a sua dedicação à causa da escrita está na forma como o livro transita constantemente entre os seus tempos narrativos.
Essa é, igualmente, a prova final da sua falta de qualidade enquanto o que ela gostaria de ser chamada, escritora.
O tecido da leitura continuada vai sendo colocado em causa à medida que o cansaço se instala em cima da monotonia arrítmica da história que de thriller nada tem.
O que viram os editores neste texto é o verdadeiro mistério do livro.


O Que Viram as Flores (Julia Heaberlin)
Bertrand Editora
1ª edição - Maio de 2017
376 páginas

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