quarta-feira, 12 de julho de 2017

Enredada num nó




Já muitas vezes aqui se abordaram os problemas que se colocam aos leitores quando lhes é servido um livro de um ponto avançado da série a que pertence.
Este livro de Kellerman, o segundo da série a ser publicado por cá, revela alguns mais, daqueles que são imputáveis à autora.
Por mais que uma série tenha sucesso, deverá haver um plano autoral que permita um equilíbrio entre a determinação do escritor e as exigências do mercado.
Continuar a escrever de forma sistemática sobre os mesmos personagens e dentro do mesmo género acabará por deixar em aberto um número de hipóteses muito limitadas, mesmo se a passagem dos anos é assumida no interior do universo ficcional - por exemplo, Peter Decker chega ao seu sexagésimo aniversário.
As personalidades e as vidas - sobretudo de um casal - tornam-se constantes e não permitem diversidade nas decisões tomadas. Daí que a autora tenha de acrescentar diversas tramas secundárias para contrariar a modorra interna.
Muitas dessas tramas debruçam-se sobre assuntos familiares cujo interesse é diminuto perante o mistério que se quer ver resolvido, sobretudo tendo em conta que as dinâmicas pessoais não são familiares ao leitor acabado de chegar à série.
Claro que todas essas tramas serem para fazer render a escrita e acumular o número de páginas que cumpram com a meta editorial traçada.
Um objectivo alcançado também por via das abundantes descrições sobre tópicos mal escolhidos porque inúteis.
Descrições que se alongam sem interesse e sem objectivo senão o de acumular palavras até o livro ter o tamanho óptimo para o preço marcado e não o tamanho óptimo para a história que contém.
Da quantidade de páginas assoma a falta de qualidade da escrita, paupérrima de tão descuidada, o que se reflecte intensamente nos diálogos de que o livro tanto depende e que soam ridículos muito mais frequentemente do que resultam.
Sinais de que a autora está pressionada e a escrever de forma apressada, sem se aplicar por completo.
Comercialmente comprometida e demasiado envolvida com os personagens para se aperceber do mal que lhes vai fazendo.
A qualidade das duas tramas centrais só acrescenta argumentos a esta tese, pois a geral falta de originalidade no conjunto dos muitos policiais que se publicam leva a concluir que a autora deve já estar a repetir-se dentro das suas duas dezenas de casos que a dupla teve de resolver.
Evitando as extrapolações, evidencia-se os problemas da construção desta trama, muito lenta na revelação de pistas e sem uma progressão convincente da resolução do caso.
No seu segmento final o livro desdobra-se em explicações para os 95% de páginas que vieram antes, numa resolução que não depende dos detectives para acontecer e, assim, coloca em causa o seu papel ao longo de todo o livro.
Com conhecimento deste único livro só posso deduzir para a série o tipo de evolução que outras tiveram. Os primeiros livros um pouco hesitantes mas com a centelha de potencial; um conjunto de títulos sólidos no momento em que a autora se sentiu confortável com o material; uma continuada exploração do filão para lá do ponto em que as ideias eram boas e a dedicação era enérgica.
A autora vai forçando a existência da série, cada vez mais tendendo para que o limite da qualidade iguale zero.
Até lá haverá a possibilidade de surgir um tomo melhor, abençoado por uma inspiração extemporânea. Mesmo esse não valerá o esforço de continuar a ler livros como este.


O Enforcado (Faye Kellerman)
HarperCollins
Sem indicação da edição - Fevereiro de 2017
480 páginas

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