sábado, 29 de outubro de 2016

Nem o todo, nem as partes

Um reconhecimento à Saída de Emergência por uma estratégia editorial que, por uma vez, traz a perspectiva de um benefício ao leitor.
O facto de ter dividido a antologia original em dois volumes - malgrado o esforço financeiro que isso implica - permite uma gestão interna de agrupamento dos contos dentro das quatro aproximações de tradução para rogue que a editora fez.
Para já esta ideia é uma teoria. Em parte porque terei de ler o Histórias de Vigaristas e Canalhas para confirmar a hipótese e o seu grau de sucesso.
Ao que se acrescenta o facto de os contos aqui reunidos, de origem, não permitirem dose alguma de coesão, qualitativa ou temática.
Depois da entusiasmante introdução de George R. R. Martin segue-se uma das melhores histórias do livro, Como o Marquês Recuperou o seu Casaco de Neil Gaiman.
Um divertido retorno a Neverwhere - Na Terra do Nada que parece trazer algumas contradições (de detalhe) à personalidade do Marquês de Carabás em relação ao que ela era nesse livro.
Trata-se de um conto que se sustenta por si mesmo, capaz de definir o carácter do personagem no período da breve aventura. Mas é revelador de um problema que afecta vários outros contos.
A utilização de personagens pré-existentes em pequenas tramas incapazes de sustentar uma obra de maior fôlego e que implicam familiaridade com as sagas em causa para se perceber como os personagens se ajustam à classificação de aventureiros ou patifes.
Essa é a realidade para Phyllis Eisenstein (A caravana para nenhures), Joe R. Landsdale (Galho Vergado), Paul Cornell (Uma Forma Melhor de Morrer), Patrick Rothfuss (A árvore reluzente) e o próprio George R. R. Martin (O Príncipe de Westeros ou o irmão do rei).
Em nenhum caso há mais do que um picar o ponto com as obrigações da antologia e a fidelidade dos leitores. Estes contos, estes servem sobretudo a dar contexto adicional ou testar fórmulas.
Landsdale despacha mais um caso para o seu protagonista num estilo de thriller de acção duro e cruel que é do que o neo-noir tem de pior.
Martin quase se limita a uma exercício de genealogia, pouco estimulante mas bem escrito.
O mesmo poderia ser dito dos contos de Eisenstein e Cornell, que ainda assim partem de bons pressupostos, apenas não parecem capazes de as executar com legância na duração de um conto.
Rothfuss safa-se melhor, com um conto que equilibra inteligência e divertimento, sem que o seu efeito final deixe de estar limitado quando não se é um seguidor d' A Crónica do Regicida.
Chamariz para os que acompanham as sagas de cada um destes cinco autores - apenas dois com relevância no mercado nacional - e pouco mais.
A tal problema junta-se o dos contos que pouco justificam a sua inserção nesta antologia.
Admitindo que a ideia de origem é boa e que o final está bem executado, Proveniência de David W. Ball, continua a ser um conto que não se ajusta a esta colectânea e que não tem centelha para suster o interesse entre as duas pontas do conto.
Connie Willies e o seu Em exibição é um tongue-in-cheek mordaz para com o estado da produção cinematográfica actual. Divertido, sobretudo por conta de alguns traços da imaginação com que são inventadas produções Hollywoodescas mas desenquadrado.
Finalmente, a popular Gillian Flynn, escreveu Qual É a Sua Profissão? e deixou-me sérias dúvidas sobre o porquê de tantos a lerem.
Uma trapalhada a que a autora parece ter-se dedicado pouco - o final não é aberto, é desleixado - e em que ela parece apenas preocupada em exercitar o jogo de enganos mútuos - de que se recentem os personagens, que não existem senão como nomes na página.
(Entretanto este conto parece ter dado um livro para manter a atenção dos leitores à autora - e a facturação... - e que por cá se chama Pequenos Vigaristas.)
Contra todos estes contos, felizmente há Scott Lynch que nos permite passar Um ano e um dia na velha Theradane!
A escrita de Lynch é sedutora e a sua criação do mundo em que passamos algumas páginas é portentosa.
Servindo-se de poucos parágrafos - e sempre fazendo-os valer para o decorrer da trama na sua obrigatória brevidade - deixa uma forte impressão.
A que acrescenta doses de imaginação que vão em crescendo e cuja magia - no livro e para o leitor - deixam aquela saborosa vontade de conhecer a fundo a obra do autor.
O livro, como um todo e em muitas das suas partes, revela-se um caso de possibilidades que não houve engenho para cumprir.


Histórias de Aventureiros e Patifes (Neil Gaiman, David W. Ball, Gillian Flynn, Paul Cornell, Scott Lynch, Phyllis Eisenstein, Joe R. Lansdale, Patrick Rothfuss, Connie Willis, George R. R. Martin)
Saída de Emergência
1ª edição - Novembro de 2015
448 páginas

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