sábado, 18 de junho de 2016

Mal intencionada

Perante o regresso de Tilly à pequena cidade onde nasceu o leitor interroga-se sobre as suas reais intenções.
A referência à sua louca mãe, largamente desprezadas pelos restantes habitantes, soa a uma desculpa depois de décadas afastada.
Mais fácil seria levar a mãe daquele lugar de onde a raiva a expulsou e o desprezo agora a recebeu de volta.
Tilly vai ficando deixando-se ser mal tratada. Parece sofrer de masoquismo, sofrendo quando se suspeita que terá a fugir de outra dor.
Se a dor que aquele lugar que lhe desfez a infância é menor do que aquela que a empurrou de volta é uma comparação que o romance só permite fazer demasiado tarde.
Por isso Tilly permanece perante o leitor como uma figura penitente. Até que o romance, não tanto o personagem, precisa de algo mais.
Precisa, sobretudo, que o talento de Tilly entre em acção. Daí que Tilly comece a deixar-se ser usada pelas mulheres da cidade para que lhes confeccione vários vestidos.
Não se trata de uma procura de aceitação, uma crença que o leitor não tem nem vê no personagem.
Tilly investe o seu próprio dinheiro em criar roupa que rivaliza com a das grandes casas de Moda, o que é excessivo interprete-se essa atitude como o exercício do seu talento para que não perca a mão ou como uma afirmação de superioridade contra uma sociedade desinformada na Austrália dos anos 1950.
Os vestidos fazem falta, sobretudo, a Rosalie Ham que aprimora a sua escrita aquando das descrições cujo destaque é ainda maior por entre uma escrita tépida.
O trabalho mantém Tilly na cidade o tempo necessário para que ela encontre alguém disposto a amá-la e ela volte a crer na maldição que os locais sempre lhe atribuíram.
O que na idade adulta parece significar crer que as atitudes alheias a encaminham para um desfecho trágico.
A partir daí o romance assume um tom mais negro onde a dissimulação toma prevalência. Tilly torna-se na tecelã de uma cruel vingança que, quando se confirma, parece desproporcionada e coloca em causa a própria leitura que se faz da protagonista.
Desde logo porque a autora se dedica a escrever capítulos pouco estimulantes sobre a criação de roupas para teatro que não criam expectativa alguma para o final que se esperava ameaçador.
No entanto é-o sobretudo porque o livro termina sem uma ponderação moral de quanto a pequena cidade merece que Tilly deixe todos os seus habitantes sem nada senão os trajes ridículos e abafados que criou para a peça de teatro que levaram a palco.
Não bastando a humilhação que causou, Tilly causa uma destruição completa, até contra o único que a tratou bem, um polícia que admira tecidos excepcionais ainda mais do que ela.
A autora quer fazer crer que Tilly foi tão mal tratada que a sua vingança está justificada. Mas ela tanto foi mal tratada pelas pessoas como pelo próprio destino (ou pela própria autora...).
Um personagem à deriva ao longo do livro. O seu comportamento deveria sugerir mistério de identidade. Ao invés mostra a indecisão que a autora teve sobre o que queria alcançar com o livro.
Falta um verdadeiro antagonismo a Tilly que não passe pelas suas próprias acções. Algo mais substancial do que as figuras com que ela popula a cidade.
Com eles a autora intenta um retrato dos pecados que estavam escondidos debaixo do puritanismo da Austrália rural dos anos 1950.
Para tal bastava ter menos de uma mão cheia de personagens bem definidas e melhor exploradas.
Como a autora quer reforçar o direito da protagonista à sua vingança, ela prefere acrescentar personagens com uma regularidade obsessiva e pouco ajuízada.
Personagens que têm uma presença de pouca duração e que se tornam todas demasiado parecidas visto que não ganham identidade.
A já referida tepidez da escrita reforça esse sentimento como também o faz a falta de imaginação da autora que distribui os mesmos (ou o mesmo tipo) de pecados - sexuais - pelos personagens.
São falhas em demasia no que é, evidentemente, um primeiro livro. O que significa que é mais uma intenção do que uma obra devidamente acabada.
Só a sua adaptação ao cinema justifica que recaia a atenção sobre o livro nos antípodas do seu país de origem, ainda que seja tratado - de forma injustificada - como uma espécie de clássico moderno Australiano.


A Modista (Rosalie Ham)
Editorial Presença
1ª edição - Novembro de 2015
272 páginas

Sem comentários:

Enviar um comentário