quinta-feira, 26 de maio de 2016

Um pouco de nada para todos

S. J. Watson criou um livro surpreendente que continua a merecer elogios pela sua estrutura. Este seu novo livro é uma negação do primeiro, um falhanço completo de estrutura e precisão.
O thriller que este livro deve ser aparece afogado em longos bocados de ficção que são contraditórios ao género.
A preparação dramática da trama é um longo dramalhão de arrependimentos familiares e descobertas de casos amorosos que não consegue criar um passado substancial para o personagem principal - nem vale a pena falar nos restantes... - e, portanto, tornar Julia cativante como porta de entrada no universo do livro.
Ultrapassar o ritmo lento desta parte do livro é um feito tornado mais difícil pela escrita do autor que não tem a assertividade para encaminhar a tramar nem, pelo contrário, se esforça em criar um ambiente de tensão à força da expressividade.
Lá chega o ponto de viragem, em que se espera que as circunstâncias estejam bem assentes para que os acontecimentos possam encadear-se e - finalmente! - levar o livro na direcção do que prometia.
A partir daí o autor dedica-se antes a um romance de cariz marcadamente sexual, que tenta ter um negrume a si associado mas não é mais do que um discorrer sobre o adultério do que era até ali uma mulher bem casada e que parece ter tido uma crise perante a morte da irmã.
Há traços de manipulação nesta parte da história e a procura de explorar os perigos de se entregar nas mãos de um desconhecido - sobretudo via internet - mas isso ocorre por entre um texto que parece ser já de um livro completamente distinto do que era na parte anterior, já de si muito distinta daquilo que o livro anunciara.
Quase como um truque de magia mal executado, o autor parece ter achado que o melhor seria adormecer o leitor para depois fazer surgir a reviravolta.
Esta é demasiado complexa para disfarçar a composição simplista que lhe deu origem, o que curiosamente vem negar a necessidade do romance erótico no miolo da trama.
Na parte final a manipulação via internet torna-se o grande tópico do livro, desmultiplicando-se de tal forma que fica demonstrado que havia maneiras mais simples do vilão conseguir os seus propósitos sem recorrer a expedientes cujas morosidade e dificuldade de execução fariam corar alguns génios do crime.
Muito embora génio não seja uma característica necessária no que toca a quem manipula Julia, um personagem idiótico.
A sua iniciativa de entrar nos chats em que a irmã arranjava encontros para procurar o seu assassino pode parecer uma atitude temerária embora pouco ajuizada. Ainda assim é a sua decisão mais razoável.
Todas as que se seguem são motivadas por uma profunda ignorância, das regras mínimas de segurança online, por exemplo, ou por uma confrangente irracionalidade.
Más decisões que ocorrem para fazer avançar os resquícios de uma trama. Julia está ao serviço da trama que lhe faz um desserviço a ela.
Esta característica do personagem central torna a reviravolta ainda menos aceitável e, em geral, o livro ainda menos agradável de seguir.
Julia deveria, talvez, ser perdoada pela sua composição. Apesar de tudo, ela não é mais do que a linha mestra com que S. J. Watson tenta ligar três (pedaços de) livros em três géneros com mercado.
O autor pode ter tentado garantir vendas transversais do seu segundo trabalho ou, simplesmente, ter dado um pouco de tudo a cada leitor.
O que ele conseguiu, pelo contrário, foi fazer deste Segunda Vida um vazio.


Segunda Vida (S. J. Watson)
Jacarandá
1ª edição - Novembro de 2015
408 páginas

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