domingo, 29 de maio de 2016

Incapacidade de criar

O cenário é o de uma cabana onde os personagens se isolaram durante um fim-de-semana. Consumo de álcool e cocaína, uma mensagem sobre assassinato durante uma sessão espírita, pegadas no exterior da casa, a linha telefónica cortada e uma tensão provocada por um personagem obsessivo.
Nesse instante, já para o meio do livro, as possibilidades são múltiplas. Horror ou thriller, provocados por um personagem externo que então aparece. Ou, ainda melhor, um simples crime a ser desvendado dentro dos limites daquele grupo no estilo de Agatha Christie.
O leitor será ingénuo por imaginar tanto assim. Aquilo que se segue é um desses thrillers psicológicos sobre uma mulher que se revela uma psicopata que continuarão a ser publicados enquanto haja filão para esgotar.
Afinal esta é apenas a história de como uma mulher tenta, da forma mais desajustada e violenta possível, salvar a face perante o fim eminente do seu noivado: matar o noivo e culpar outra pessoa.
Outra pessoa que é Nora, que vive assombrada há dez anos pelo fim da relação amorosa dos seus dezasseis anos com nenhum outro que o noivo de Clare.
Conclui-se que as mulheres só podem ser cabras psicóticas ou crianças assustadas em função do homem pelo qual definem a sua vida - no caso o mesmo que a sua vida amorosa.
A banalidade da segunda metade do livro, que ainda para mais é estruturada de forma deficiente, obriga a negar o benefício da dúvida que se deu à preparação do desfecho.
Só o instante em que todas as possibilidades eram possíveis afastava o terrível espectro de previsibilidade instalado desde o momento em que Nora aceita ir a uma despedida de solteira para uma (melhor) amiga com quem não fala há uma década e que nem sabia que se ia casar...
Essa previsibilidade não é uma manipulação para desviar a atenção do leitor do verdadeiro desfecho. É a única ideia que a autora conseguiu ter.
Tudo é mais pobre por ser Nora a personagem que nos serve de ponto de vista à história, uma escritora de policiais que não tem o raciocínio analítico para suspeitar do mesmo que o leitor.
Temos de a aturar deitada numa cama de hospital a recordar os eventos do fim-de-semana com medo e dificuldade. Nora não sabe se é a culpada pois sofre de uma conveniente (para que a trama tenha alguma duração) amnésia selectiva.
Pior são as suas recordações de há dez anos, que a tornam numa mulher ridícula no presente enquanto a mostram como uma adolescente que ora é totalmente insensível perante um aborto como exagera por completo perante uma rejeição e nunca mais fala aos seus colegas.
A história cabe nestes meros parágrafos mas isso não faz um livro capaz de vender. Para isso é preciso encher as páginas. Dos piores lugares-comuns, claro!
Como a cena final em que a protagonista, enfraquecida e desprevenida, foge do hospital para se ir colocar, sem apoio, numa situação de perigo pessoal de forma a provar que é inocente.
Ou, pior, como a caçadeira por cima da lareira - descarregada garante a anfitriã que os leva a ter uma lição numa carreira de tiro - cuja falta de subtileza é sobrecarregada porque a autora tem um dramaturgo a afirmar que ela o faz pensar em Tchekhov.
Como nota positiva diga-se que Ruth Ware tem um mérito, o de saber transmitir a ambiência envolvente e ameaçadora que os personagens vivem naqueles bosques.
O problema é que contra ele pesa a incapacidade para criar: personagens que não sejam representações de comportamentos extremos, uma estrutura que nos deixe em suspenso em vez de nos sonegar informação ou uma narrativa desafiante que não seja colagem de clichés.


Private: Los Angeles (Ruth Ware)
Clube do Autor
1ª edição - Abril de 2016
328 páginas

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