quarta-feira, 3 de junho de 2015

Então e o final?

Inicia-se este livro e aquilo que se vai lendo são uma série de lugares-comuns narrativos usados em abundância.
Aqueles lugares-comuns que talvez descendam da própria verdade mas que de tanto uso na descrição da vida das famílias com ligações às terras mais interiores de Portugal.
São aquele temas narrativos próprios da ficção banalizada pela televisão que vão mesmo ao limite daquela prima que na hora da tristeza consola o primo... na cama.
Diria que isso fica sobretudo pelo estabelecimento da história, ainda que tal dure umas boas cinquenta ou sessenta páginas.
Aguenta-se tal coisa por conta da expectativa gerada por um título no mínimo caricato e no máximo inesperado e, sobretudo, por conta da desenvoltura da escrita de Francisco Nicholson que além de enérgica a enche de trocadilhos linguísticos ou em torno dos nossos provérbios que dão ao livro "um ar da sua graça".
Esses serão uma permanente durante o livro, quase sempre resultando bem, mas havendo igualmente lugar a um excesso de apartes - algumas das vezes explicativos do que o leitor compreende sozinho.
O equilíbrio não é a característica maior da escrita, mas o estilo adapta-se bem a um estilo gingão que deve dar a ideia de que o filho, tal como o seu pai, é um jornalista da velha guarda. Talvez um pouco a dar para o marialva (mas não a chegar lá exactamente) mas muito profissional.
Rui mete-se numa investigação acerca de um caso de possível tráfico de influências numa aldeola no interior de Portugal.
Tudo começa por um acaso, mas depois há uma tentativa de criar uma situação de possível conflito de interesses e reflexão deontológica acerca da cobertura que ele fará das eleições onde se preparam para perpetuar os que já estão no poder.
O objectivo de Francisco Nicholson está muito próximo daquele de Miguel Sousa Tavares em Madrugada Suja, uma denúncia 
Francisco Nicholson tem mais leveza na abordagem, mas também mais mordacidade, o que faz com que a sua leitura seja um pouco menos severa do que foi com a seriedade do outro livro.
Mas quando este Os mortos não dão autógrafos termina é difícil ficar satisfeito. Depois de tantas páginas percorridas falta a compensação.
Fica-se com a meta à vista mas sem uma resolução a sério, antes uma espécie de frases finais a descrever os acontecimentos que deviam fazer parte do essencial do livro.
Não é que fosse necessário haver um remate estanque da história, mas era pelo meno necessário ter uma conclusão cuja abertura fosse satisfatória e ainda deixasse o leitor em suspenso das suas próprias elações.


Os mortos não dão autógrafos (Francisco Nicholson)
A Esfera dos Livros
1ª edição - Novembro de 2014
312 páginas

Sem comentários:

Enviar um comentário