domingo, 1 de março de 2015

Vidas dentro de vida

A história de Hannah é a de uma rapariga que demasiado jovem ficou presa numa teia de alcoolismo.
O livro consegue transmitir a experiência violenta de uma existência assim e de como se pode resvalar para ela com relativa facilidade e sem grandes justificações psicológicas.
O trabalho de Alastair Campbell capacita-nos para como as vidas do alcoólico e daqueles que em torno dele orbitam podem ser gravemente afectadas sem que isso se torne evidente desde logo, manipulado em narrativas cada vez mais intricadas.
Uma vida mantida em segredo perante os outros é uma enorme ficcionalização. Uma sempre em crescendo, com cada vez mais ramificações.
A triste sina de uma pessoa que tem de mentir a todos é que isso corresponde a um extraordinário jogo de criação e memorização que é cada vez mais difícil manter à medida que as capacidades física e mentais são afectadas.
Hannah acaba por estar a mentir a si própria, criando uma versão de si para os outros que a vai justificando.
Apenas o momento em que essa história deixa de ser íntegra perante a sua própria "escritora" é que a consciência do problema surge.
Isso é assumido neste livro onde o autor complicou a forma para que o portento do seu conteúdo fosse mais eficaz perante o leitor.
Campbell tratou de contar a história de Hannah através de uma miríade de outras personagens, que se cruzaram com ela ao longo do tempo.
Cada uma dessas outras personagens, que vão da mãe de Hannah a um polícia que recebeu a sua queixa, se cruza com ela no momento preciso que serve a continuidade narrativa.
Será uma conveniência narrativa mas o autor não permite que essa sensação se instale, tornando cada uma das personagens-narrador em algo mais do que utilitários.
As personagens têm direito a uma existência própria, um passado que lhes dá substância e que é contado com incrível eficácia.
No espaço de um capítulo estas personagens são dadas a conhecer de forma a que mereçam interesse e respeito antes de intervirem na narrativa maior que é a da vida de Hannah.
O que enriquece o relato é que Alastair Campbell não tratou apenas de trabalhar a personagem central que comanda a viagem ao mundo do alcoolismo.
Cada capítulo é um conto, que no limite não pode ser lido de forma independente do restante se estivermos a falar de Hannah, mas que funciona como tal para Colin, Amanda ou Trixie.
A importãncia deles vem do seu encontro com Hannah só que tendo-a conquistado recebem-na por inteiro das mãos do autor de O meu nome é....
Este carreiro de personagens que vão falando de Hannah dota a leitura de um elemento que a enriquece ainda mais: o suspense.
Como cada personagem parece estar em discurso directo acerca de Hannah ficamos na incerteza permanente se estamos perante uma intervenção ou um elogio fúnebre, ou se falam para um registo - documental, direi assim - que assinala a recuperação ou a destruição de Hannah.
Não sabendo se Hannah estará viva ou morta no final do livro instiga a conhecer a sua história com mais determinação, para compreender se as personagens que dela falam foram afectadas pela personalidade intensa dela ou pelo facto de se terem cruzado com uma rapariga que não sobreviveu.
(Claro que para tudo isto ter efeito convem, como eu fiz, não consultar o índice senão após o término do livro.)
Este livro ganhou (muita) força com esta maneira do autor colocar outras personagens - de "corpo inteiro" - sob o foco principal durante a maioria do livro, proporcionando ramificações de vidas que permitiam aliviar da atracção que a história de Hannah exerce, para que assim esta manifestasse no final um impacto renovado.


O meu nome é... (Alastair Campbell)
Editorial Bizâncio
1ª edição - Setembro de 2014
304 páginas

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