terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Passar para a ficção

Este é um livro que não proporciona a oportunidade de o reduzir a um género, o que torna mais satisfatório por utilizar um leque inesperado de ferramentas.
Começando pela forma onde, ao invés de uma narrativa una a autora cria um livro dentro de um livro.
Os Três é, em quase toda a sua extensão, o livro Quinta-Feira Negra - Da Queda à Conspiração da jornalista Elspeth Martins que acabará como personagem do livro de Sarh Lotz.
Este livro de investigação jornalística vai reconstituindo os eventos através de registos em vários formatos, algumas entrevistas e uma pequena dose de especulação a partir da tal Conspiração que o título refere.
Eventos que, pelo distanciamento temporal, não se limitam ao imediato após os acidentes simultâneos, vão bem longe na captação das repercussões que eles tiveram.
Esta investigação não pode superar as naturais impossibilidades associadas a esse tipo de trabalho ou à própria consciência humana.
Não havendo um narrador omnisciente o suspense é mantido pelos muitos espaços por preencher na narrativa que existem perante o leitor tal como perante o universo em que a história se passa.
O envolvimento do leitor com a história aumenta porque lhe é dado o melhor acesso possível e porque apaga as fronteiras entre o leitor e a existência desta.
Este esquema narrativo só é interrompido no início e no final d'Os Três, com dois momentos que balizam o livro dentro do livro e que surgem pela voz de um narrador omnisciente.
O primeiro momento narra como se deu o evento que o livro explora e poderia existir como uma tentativa de especulação - ou reconstituição - acerca da queda do avião no início de Quinta-Feira Negra - Da Queda à Conspiração.
O segundo momento vem dar uma conclusão mais informada ao livro e deveria - ou, pelo menos, poderia - nem existir para deixar a dúvida ou certeza final a cargo do leitor.
Não chegam a enfranquecer a leitura do livro e no propósito da história não deixam de ter utilidade, mas quebram a dinâmica que rege a lógica do livro.
Dinâmica que pelo seu carácter investigativo tem muito de thriller realista, como tem de história de horror ou evidência dos males modernos.
A história muito interessante por si só cresce com a chamada de atenção crítica para as muitas formas de fanatismo que colocam em causa as relações humanas e que brotam de forma súbita perante um evento de explicação difícil.
Foi inteligente a autora ter distribuído as quedas de aviões pelos vários continentes pois permitiu-lhe falar do fanatismo religioso dos Estados Unidos da América, do fantismo mediático do Reino Unido e do fanatismo pelo interface tecnológico do Japão.
Cada um desses pontos sendo o mais forte - ou mais imediato - exemplo de quão forte se torna o isolamento causado por cada tipo de fanatismo sem que a esse espaço geográfico fique circunscrito.
Estes pilares reconhecíveis que Sarah Lotz coloca na sua história fantasiosa tornam ainda mais intenso o nosso envolvimento com o livro além de facilitarem a quebra da barreira entre o a realidade e a ficção.


Os Três (Sarah Lotz)
Saída de Emergência
1ª edição - Outubro de 2014
432 páginas

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