sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A doença da descoberta

À loucura branca que Jaime Rocha ficcionaliza associamos facilmente o ruído branco, um esconderijo social em que todos disfarçam a sua normalidade sob a capa de uma originalidade distintiva.
Cada um reivindicando para si a peculiariedade que o torna único, que o salva da norma que dilui cada pessoas nas restantes.
Até que, subitamente, a fatalidade transforma a sua vítima levando a que a verdadeira loucura se alastre pelo corpo e tudo altere em favor daquele que é agora o portador de uma visão privilegiada.
A partir daí passa a conseguir encarar o mundo de uma forma nunca antes vista, aquela massa de falsos loucos desaparecida para uma meticulosa descoberta da novidade de todos os espaços anteriormente visitados.
Só que a descoberta vem carregada do assombro do terrível que existe em redor de cada um e que está oculto a maior parte do tempo.
Logo essa descoberta o empurra para o receio de um desconhecido que deveria ser familiar por estar contido no mais essencial do ser humano.
O mundo tal como ele verdadeiramente é encerra Vítor sobre si próprio. As paredes da casa de onde não sai há meses são apenas um símbolo disso mesmo. Um símbolo palpável que ajude a melhor avisar o personagem da sua condição.
O cancro mestatizado de que sofre não é só uma causa das suas aflições, é a expressão potenciadora das suas novas capacidades.
Uma libertação da mente por sacrifício do corpo, os sentidos potenciados até ao sacrifício. Sobretudo a visão, perdida depois da descoberta do mundo para lá do mundo.
Definitivamente encerrado em si mesmo, no negrume de si mesmo, pode ele deixar-se ir: prosseguir por mão alheia o caminho de libertação.
Esse caminho tem apenas uma forma de ser percorrido. O término do caminho é o término do homem e logo aí o peso da falsidade se esfuma.
A loucura construída para diferenciação - que tudo deforma e constringe - desaparece. A falsidade do ruído de fundo mental deixa de poder isolar Vítor.
A verdadeira loucura torna-se a situação aceitável e isso cria nos que ficam por cá o incómodo do entendimento.
O inconsciente como monstro perpétuo de um homem. Assombrado pelo surrealismo daquilo que consegue imaginar mas que recusa por obrigação social.
Há algo de Kafkiano em Jaime Rocha, sem lirismos desnecessários mas com a expressão mundana de algo extraordinário e perturbador.
Este seu livro, gigante na sua brevidade, tem um poder literário que nos condena à memória e nos obriga à revisita. Que maravilha de livro.


A Loucura Branca (Jaime Rocha)
Relógio D'Água Editores
Sem indicação da edição - Maio de 2014
112 páginas

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