sábado, 23 de agosto de 2014

Lições sobre bem escrever

Uma preciosidade de que nunca vou abrir mão. Isto é a minha opinião sobre este resumida a uma única frase, mas uma frase precisa.
Cada um dos textos aqui inseridos podem ser de uma forma simplista classificados como humorísticos, mas ainda antes de tal são pequenas peças de ficção.
Cada uma delas, em pouquíssimas páginas, capaz de criar um mundo próprio pela simples descoberta de uma nova forma de encarar o mundo tal como já o conhecemos.
Em tais textos reconhece-se o génio de um escritor que beneficia da prática da brevidade enquanto comediante e para o qual contribui decisivamente essa perturbação na leitura do mundo que faz de Woody Allen um excelente humorista mas, igualmente, dramaturgo.
Nos seus textos descobrimos o mais conturbado e perturbador jogos de Xadrez de todos os tempos. Um jogo de Xadrez que ao mesmo tempo é a mais deliciosa e esquizofrénica troca de correspondência de sempre.
Descobrimos variações sobre Ingmar Bergman (que já sabíamos ser o ídolo do realizador) em que a Morte perde ao gin rummy.
Ou que há detectives privados encarregados de encontrar tipos que deveriam estar em toda a parte: Deus.
E ainda a extraordinária história do que poderá ser a mais importante invenção da humanidade, o borrão de tinta falso.
Cada uma destas pequenas obras está carregada de tiradas irónicas sobre o mundo da edição de livros e de referências prazerosas sobre a melhor Literatura.
Seja um cão chamado Josef K ou um personagem que despachou sem dificuldades o Finnegans Wake enquanto andava numa montanha russa, este é um livro não apenas lúcido, mas devidamente didáctico.
Quem não tiver vontade de ir reler Kafka, Sartre, Joyce ou Freud com novos olhos após terminar este livro é porque ainda os vai ler pela primeira vez!
Ao contrário do que diz o seu título, é bem provável que este livro contribua para fazer perdurar a Cultura - pelo menos entre os seus leitores.
Ainda para lá disso, o elemento mais importante - e literariamente importante, digamos assim - destes texto é um outro.
A cada ideia que tem para um texto Woody Allen encontra-lhe um estilo de escrita diferente.
Diria que Woody Allen se mostra, enquanto escritor, um autor. Não porque se apresente com um estilo próprio vincado mas porque se apresenta com a capacidade de adaptação de estilo que a cada momento melhor lhe permite servir as funcionalidade do texto e as suas múltiplas ideias.
Na sua pequenez este livro é uma Bíblia - ou uma Torá, para homenagear as raízes de Allen - sobre como bem escrever.
Com lições sobre economia de palavras, sobre colocar o estilo ao serviço das ideias e sobre o controle do ritmo.
Por isso ou até apenas porque é um livro de releitura fácil e obrigatória, esta é uma preciosidade de que nunca vou abrir mão. Já o tinha escrito, mas o livro merece que se repita.


Para Acabar de Vez com a Cultura (Woody Allen)
Livraria Bertrand
5ª edição - Sem indicação da data
148 páginas

Sem comentários:

Enviar um comentário