domingo, 13 de julho de 2014

Dos que não são Dan Brown

Uma conspiração de contornos fantasiosos no limite do impossível é sempre capaz de apelar a qualquer leitor, em qualquer ponto do mundo.
O exotismo da localização da acção e das peripécias descritas aliam-se a um tema "quente" de tal maneira que uma qualquer pequena variação continua a vender, por mais que os livros se mostrem como exibições dos talentos de pesquisa e manipulação de dados do seu autor.
A hipótese de contrariar este ocupação global das livrarias, sobre a qual ouvi um certeiro "Credo, isto está cheio de Dan Browns", pode passar por livros como este O Terceiro Bispo.
Desde logo um livro que aparece com uma lógica de abordagem local, trazendo a acção até Lisboa - mesmo se com ligação directa ao Vaticano - e dando o protagonismo a uma figura realista e exemplar da actualidade nacional.
Para o leitor português poderá ser caso para estranheza inicial, este de não encontrar um protagonista que seja quase um herói, brilhante a nível intelectual se não igualmente a nível físico, vagueando pelo mundo ao sabor de uma conta sem fundo à vista.
A estranheza só pode vir a transformar-se num prazer de descobrir o modelo de um investigador nacional que poderia ver-se perpetuado.
Se nos falta a tradição da detective privado, um jornalista desempregado que tem de aceitar um trabalho de investigação secreto da parte de um advogado seu amigo pode ser uma ideia para continuar a explorar.
Com "esperteza de rua", contactos antigos e uma rede de colaboradores em potência feita de todos os seus colegas igualmente no desemprego, este é um investigador cuja eficácia está dependente de vários elementos e cujo trabalho não é imune a falhas.
Ele investiga um caso que vai interligar as profecias de São Malaquias, o terceiro Segredo de Fátima e a situação excepcional de haver dois Papas vivos.
Esta criação literária apontada em específico ao público português firma-se também no aproveitamento de uma série de elementos religiosos do nosso país - e que não são poucos, como se reconhecerá - para a trama global.
Os jogos de poder no Vaticano vêm dar com o já revelado último Segredo de Fátima, o que torna ainda mais interessante o que sucede no livro.
Não é uma grande descoberta de segredos por revelar que toma o protagonismo do livro, antes a forma como toda a informação pode ser (re)interpretada para dar sentido a uma manipulação "do povo".
O livro torna-se numa antítese do que costuma ser este género literário, dando conta de como se pode convencer o leitor com uma narrativa que é, na realidade, uma mentira com vários elementos verdadeiros - e, por isso, vendida como uma revelação e não apenas uma ficção.
A conclusão é que estamos perante uma versão realista - até cínica - do mistério investigativo mas que na sua subversão continua a cumprir para com as expectativas do género.
Sobretudo porque tem a inteligência de optar pela brevidade eficaz em lugar da exaustiva demonstração de conhecimentos do seu autor (coisa que por vezes se assemelha a uma arrogante exibição do autor perante o leitor).
Apesar desta destacada eficácia que a narrativa mostra, ficou um corte por fazer ao livro.
Os capítulos que descrevem aquela que é uma das teorias sobre o que realmente aconteceu na Cova da Iria são dos mais bem escritos do livro e dos que mais captarão o interesse dos leitores.
No entanto não fazem falta, não acrescentam nada que não tivesse sido escrito de forma mais sucinta noutro ponto do texto e parecem uma exibição de Frederico Duarte Carvalho do seu talento para a recriação histórica.
Isso acontece porque surgem como capítulo soltos no meio da narrativa que depois ficam esquecidos, sem uma utilização daquele cenário para a conclusão do livro.
Espera-se que possa haver um próximo livro protagonizado por Joaquim Barata para saber se Frederico Duarte Carvalho continua a criar um género em estilo próprio e se esse estilo está apurado ao máximo.


O Terceiro Bispo (Frederico Duarte Carvalho)
Planeta Manuscrito
1ª edição - Novembro de 2013
304 páginas

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