segunda-feira, 10 de março de 2014

Limitações do moderno

A leitura solitária, indiferente ao que a rodeia e cuja única gratificação é o prazer pessoal pode muito bem ser o método mais ajuizado e significativo para um thriller conspirativo que se alimenta da realidade moderna da postura internética: uma fome de protagonismo conseguida muitas vezes através da impunidade do anonimato.
Esta história funciona precisamente porque explora essas duas fraquezas humanas, a necessidade de aprovação e a tendência para a (pequena) maldade.
A primeira costuma estar relativamente satisfeita mas na possibilidade de ser levada ainda mais adiante para satisfazer um orgulho que tentam que não esteja em evidência, tal é feito. A segunda está controlada pelas regras sociais mas no caso de poder ser saciada sem consequências, assim é.
N'O Jogo tudo começa como uma série de partidas executadas pelo protagonista, HP, admiradas por vários utilizadores anónimos e cumpridas sem um momento para reflexão. Até que uma dessas partidas afecta pessoalmente o protagonista e coloca em risco a vida da sua irmã. 
Claramente, só o egocentrismo poderia mudar o rumo assumido por HP e transformá-lo num paranóico movimentando-se contra as teorias da conspiração sobre as secretas intervenções sociais e políticas das grandes corpoorações.
A "perseguição" excitante que leva HP de um telemóvel sem informação a uma grande conspiração é uma leitura agradável e despretensiosa. Não se pode, só por isso, deixá-la sem alguma avaliação mais ríspida.
O livro assenta numa estrutura de dois pontos de vista, separados capítulo a capítulo e sempre intercalados, mas que acabam por se cruzar várias vezes.
De irmão para irmã e de novo em sentido contrário, não é a melhor solução para o desenvolvimento da acção, pois se funciona bem quando os dois vão "colidir", funciona mal quando os dois estão em momentos tão diferentes da trama que a cena de um interrompe a cena do outro. E, claro, ainda tem o dom de ser inútil quando os dois estão em progressão conjunta.
A estrutura do livro é inspirada pela montagem cinematográfica, uma conclusão tão óbvia como fácil de fazer. Afinal, o livro tem mesmo uma cena copiada de North by Northwest e se o seu título não é a confissão da inspiração no filme de David Fincher com o mesmo nome, não sei o que possa ser.
No entanto essa inspiração cinematográfica não dá a liberdade ao narrador para se movimentar sem limitações entre cenas e entre personagens (secundárias).
Se os thrillers literários querem pegar nas soluções que garantem o sucesso do género no cinema, têm depois de conseguir para lá delas e utilizar as possibilidades que escapam ainda ao que é feito para a tela.
Entre elas contam-se a falta de limitações orçamentais e de duração impostas à história.
Mais ainda do que essas, a possibilidade de intercalar na acção elementos desestabilizadores, que ramifiquem as conspirações que se podem imaginar a partir da história individual de Henrik Petterson. Algo tão óbvio quanto a reprodução de artigos de jornais ou fóruns de internet (onde boa parte do que importa neste livro se passa) ou mais inventivo quanto a revelação de cenas do Jogo quando os telemóveis ainda não eram forma de comunicação convencional.
Elementos esses que reforçariam o contraponto entre a sede de protagonismo de quem está na internet hoje em dia e outro tipo de satisfação que foi ficando para trás.
Que uma história que se fez thriller e que procurou uma temática tão "modernaça" se limite com uma estrutura tão monótona é a sua falha mais grave.
Coloca em evidência que são as duas personagens centrais que estão ao serviço da trama e não que as suas histórias - e a de outras, como Faroock - possam ser verdadeiramente pensadas com um Passado e um Futuro que afectem a porção de tempo em que elas enfrentam o Jogo e em que nós as acompanhamos, ainda que se deva dizer em favor de Anders de la Motte que este não as reduziu a figuras sem espessura.


O Jogo (Anders de la Motte)
Bertrand Editora
1ª edição - Janeiro de 2014
328 páginas

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