segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Preconceito pela metade

Os livros de protagonismo adolescente geram um certo preconceito perante o género de livros que se vêem ganhar protagonismo.
Preconceito que eu confesso ter sentido e que, em certa medida, não se desvanece por completo no seu final, embora não pelas razões que a princípio poderia julgar.
Na verdade, Rachel Ward cria personagens com um passado pouco habitual para os padrões de livros juvenis: rebeldes nascidos de pequenos dramas adolescentes.
Uma rapariga de 16 anos, grávida, fugida de casa e abrigada na casa de um grupo de drogados não é o tipo de protagonista glamourosa que se espera. Sobretudo tendo em conta que a sua filha é fruto do abuso sexual que ela sofreu às mãos do próprio pai.
A qualidade da construção e caracterização das suas personagens é o forte de Ward, que trata igualmente de manejar com cuidado os elementos possivelmente polémicos, apontando os detalhes mais escabrosos subtilmente e através do comportamento das personagens, antes de os confirmar de forma clara.
Com as personagens movendo-se num cenário de realismo social que se esquiva a muito poucos dos temas que mexem com a sociedade britânica (se não mesmo com todas): a desconsideração pelos bairros sociais, o racismo perante as relações inter-raciais, a simplicidade com que ocorre solicitação de menores, entre outros que surgem explicitamente ou de passagem.
Creio, por isso, que Rachel Ward poderia perfeitamente ter escrito um romance passado nos dias de hoje em que o vasto tecido social fosse a linha orientadora.
Uma rapariga adolescente fugir de um pai abusador para acabar numa relação com o rapaz que lhe atormenta os pesadelos parece-me emocionante o suficiente.
O suficiente para não precisar de elementos de fantasia, mesmo se esses são o elemento diferenciador do romance. Falo, claro, das datas da morte que o protagonista vê nos olhos dos outros e que projectam para um acontecimento catastrófica bem no centro de Londres - um cenário de blockbuster, até mais do que bestseller.
Esse pedaço de fantasia faz com que falte ao livro definir com mais exactidão o seu universo, dar explicações para o facto dos elementos centrais do livro terem todos uma espécie de poder psíquico (se assim posso classificar) que não ocorre com mais nenhum ser humano à sua volta.
São elementos que acabam por se acumular, sem se interligarem, com a realidade de uma sociedade que evoluiu para um ponto intermédio entre a vigilância actualmente imposta e o Big Brother de George Orwell e que consistiria um elemento suficientemente cativante como adição à fuga da protagonista para a franja da sociedade que resiste a ser injectada com chips que controlam todos os seus movimentos.
O preconceito final não é tanto para com a autora e a história que aqui criou - de uma leitura veloz e interessante em vários momentos - mas para com as exigências da literatura para adolescente que não podem ser contentados com dramas mas precisam de dramas que sejam "mais qualquer coisa".


Números: O Caos (Rachel Ward)
Topseller
1ª edição - Maio de 2013
296 páginas

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