quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Um bom compromisso

A Topseller começou a publicar a série já para lá do meio - este é o livro 12, a série vai em 20 - o que causa um problema na abordagem ao livro.
Fez-me começar a suspeitar de tal o facto de uma das informações que me parecem essenciais para definir o personagem tal como ele é em 2006 - a morte da mulher - surgir como pouco mais que um incidente no final do prólogo dedicado a uma outra personagem, o Carniceiro de Sligo.
Ora, tão grande trauma deveria motivar um livro por direito próprio, embora tal não fosse essencial - quantas personagens conhecemos já com a "vida" em andamento?
Mas a carta de um psicopata que nunca saberemos quem é e os doze anos de intervalo em que Alex Cross fez a transição de agente de agente de polícia para o FBI e agora para mero psiquiatra a servir de consultor à polícia são prova mais do que suficiente que estamos perante uma versão secundária do momento que definiu o personagem.
Já antes me referi, a propósito dos thrillers de David Baldacci, que sinto haver um erro em não arriscar com o primeiro volume de uma série e ter de vir a fazer avanços e recuos numa história contínua. Talvez seja um problema de falta de habituação a sagas deste género no nosso país, o que se poderá resolver se continuar o trabalho de edição agora começado.
Porque é quase certo que a série Alex Cross vai continuar ou não acabasse o livro com um cliffhanger que é um gancho comercial do autor para vender o próximo livro - e que não permite a Cross sequer um dia de paz antes de voltar ao que acabou de fazer por quase 400 páginas.
Mesmo assim creio que há um certo acerto no que a Topseller fez, uma forma de compromisso com os leitores. Temos direito a conhecer um pouco do passado e da psicologia do personagem em que estamos prestes a investir e podemos contar com alguns livros pela frente até que o livro mais recente esteja publicado e seja preciso acertar a cronologia.
Isso dará tempo suficiente para muitos leitores se familiarizarem ou incompatibilizarem em definitivo com Alex Cross antes que seja preciso pensar realmente sobre como a decisão presente definirá a publicação futura dos livros passados.
Ficamos com os traços essenciais de Alex Cross num livro que funciona como um volume independente, tornando-o num bom começo embora deixando as personagens permanentes da série - o próprio Alex Cross, a família deste e os vários elementos de forças policiais que a ele estão ligados - caracterizadas de forma deficitária.
A compensação vem da existência de uma segunda personagem central neste livro, o próprio Carniceiro, que se revela uma personagem perversa até demais.
No entanto, o caso do Carniceiro é o oposto do de Alex Cross, tem características a mais. Se é plausível que ele seja um assassino para a Máfia que é um psicopata e violador em série nos tempos vagos, já é mais difícil de sustentar a crença na plausabilidade dele manter uma família secreta em total ignorância da sua verdadeira ocupação como fachada para uma vida mais segura.
Três ocupações a tempo inteiro haveriam de causar algum tipo de quebra na rede de subterfúgios que o Carniceiro mantem, o que torna a presença da família numa desculpa insatisfatória para um conjunto de cenas de acção finais de grande exagero.
Até lá chegarmos, a divisão do livro entre a investigação de Cross e as actividades do Carniceiro tornam a leitura num assomo de vontade acelerada de descoberta. Reforçado, claro, pelos capítulos curtos e escrita que aponta à eficácia e à desenvoltura acima de tudo o resto.
A investigação de Cross é mais atabalhoada do que a consideração que a polícia tem por ele deixaria antever, o que se torna no traço mais interessante da personagem pelo grau de imperfeição que acrescenta ao retrato.
Mas a estrutura está de tal forma montada que os protagonistas não chegam a tornar-se antagonistas directos, ainda que Cross suspeite do envolvimento do Carniceiro na morte da sua mulher. E se a qualidade de um inimigo é a melhor medida de um detective, a ideia de vingança que é a motivação maior de Cross acaba por deixar algo a desejar.
Sobretudo quando o final se desenrola e as acções de Cross - como as do polícia que o acompanha, já agora - passam sem grande consideração moral quer do autor quer do próprio personagem.
Não sei se enveredar pelas margens da Lei é um hábito de Alex Cross, mas de supetão essa atitude marginal deveria servir para colocar em causa a aura de herói e adensar o núcleo da personagem.
O resultado, no que toca à questão de quem matou a mulher de Cross, não é conclusivo - nem satisfatório na maneira como é apresentado, acrescento - o que pode deixar mais marcas para o futuro comportamento dele.
Estamos perante várias hipóteses e questões em aberto que poderão ser respondidas no futuro, justificando que a mesma personagem protagonize vários livros em série. Já quanto ao fulcro da história, que se inicia e encerra neste único volume, é uma agradável leitura que se concretiza com curiosidade e rapidez, pontos essenciais a um thriller apontado ao mais vasto público possível.
Se a leitura deste thriller não é ainda mais vertiginosa para quem entra nas suas páginas, é pelo acumular de erros de revisão que o livro tem.
Nota-se que a tradução é muito fiel à Língua Inglesa corriqueiramente usada pelos norte-americanos - em alguns momentos talvez fiel demais, podendo haver algumas expressões passadas para uma correspondência portuguesa - e, não sobram por isso dúvidas, que parte do revisor a transformação de algumas frases em texto erróneo.
O revisor tratou ou de emendar - raramente bem - as palavras ou a ordem das mesmas no seio de algumas frases. Essas emendas levam a que as frases - aquelas que seriam possível salvar - mostrem carecer de alguns acrescentos para continuar a fazer sentido.
Para dar dois exemplos próximos que demonstrem o que digo, recorro às páginas 288 e 289. Na primeira lê-se "Embora a localização do condomínio a bem conhecida..." onde deveria estar "Embora a localização do condomínio fosse bem conhecida...". Na segunda lê-se "Porque supostamente sou eu que doido?" onde estaria "Porque eu sou supostamente doido?".
Estou em crer que não pode haver um trabalho de revisão da tradução sem haver um passo atrás para compreender como a expressão existe no original, coisa que muitos dos leitores do livro poderão fazer por si próprios à conta do contacto com o cinema (se mais nada) americano.
Mesmo se desconfie que, muitos desses mesmos leitores, nem darão por este estrago significativo!


Alex Cross (James Patterson)
Topseller
1ª edição - Novembro de 2012
384 páginas

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