segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Interesse intermitente

O relato da vida de Cícero feita pelo seu secretário pessoal acaba por ser um relato da estrutura do poder em Roma e das lutas que dentro dele decorrem.
Do poder directo que a população ainda pode exercer em certos momentos ao (para já, apenas anunciado) poder de um único homem sobre todo o Império, vamos experimentar o progresso da jovem República Romana.
A evolução da narrativa segue a evolução de postos assumidos por Cícero, primeiro Senador, depois Pretor.
Isso proporciona amplas oportunidades para vermos em acção os protagonistas das várias fases – candidatura, votação, assunção do cargo – que estão envolvidas em cada acto.
A necessidade de ter mais de quarenta e dois anos ou um milhão de sestércios para poder entrar na vida política são dados inseridos com agilidade no seio dos actos mais importantes, negociações obscuras e alianças mutáveis que permitem ganhar ou perder no último momento.
A vida política é apaixonante e lança-nos na vontade de ler livros onde as personalidades de gente como César ou Crasso não estejam tão constritas a linhas gerais ou simplificadas.
É o problema do narrador ser, apesar de tudo, uma personagem longe da ribalta da República – ainda que beneficie de uma presença privilegiada como escriturário em muitas reuniões – e, por isso, não poder dar conta de alguns dos mais importantes desenvolvimentos dela. (Embora para ser franco isso seja usado por Robert Harris para gerir alguns momentos próximos do thriller com inteligência.)
Essa limitação do narrador acaba por levar a que o melhor do livro sejam os momentos dedicados à vida de Cícero como advogado em que este tem estratégias brilhantes e discursos que mereciam ter sido ouvidos ao vivo. Momentos a que o seu secretário pode assistir de forma muito próxima, colaborando na sua preparação mas sendo sempre surpreendido enquanto elemento do público.
Isto, sobretudo, na primeira parte do percurso de Cícero em que a sua moral está acima de qualquer dúvida. À medida que a sua ambição aumenta e as suas maquinações têm de servir interesses políticos, Cícero perde-se como personagem heróica de uma República a necessitar de um defensor contra a turba de ladrões em cargos de grande significância.
A leitura tem um interesse intermitente sempre que o autor perde a mão ao equilíbrio difícil entre as duas dimensões do homem – e do seu carácter – mas é quase sempre cativante no seu estilo que combina a intriga política com o ambiente tenso de tribunal.
A par disso, há que referir o facto do livro sofrer de alguns anacronismos de expressão relativamente ao século I a.C. em que se passa, embora tal não afecte sobremaneira o correr da leitura.
Já a fraca revisão, que deixou à vista gralhas e resquícios de traduções alternativas, torna a leitura morosa em certos pontos e, com isso, cansativa.


Imperium (Robert Harris)
Editorial Presença
1ª edição - Dezembro de 2006
320 páginas

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