sexta-feira, 15 de junho de 2012

O leitor ou o detective permanente

O detective bibliófilo que protagoniza O Último Livro defende a literatura policial indicando Crime e Castigo como livro que pode ser lido como policial.
Mais do que concordar com o argumento, que dá jeito a um fanático do policial para citar com distinção em qualquer dicussão, concordo com o conceito e alargo-o.
Todos os livros são lidos como policiais. Os primeiros capítulos são as pistas pelas quais se tentará chegar à descoberta que só chega com a última página.
Cada um usa as mesmas armas, perspicácia e imaginação, nunca em medidas iguais, daí o maior ou menor grau de surpresa final.
Os escritores são, também e primeiro, leitores que com um certo privilégio exercitam os dotes policiais aos seus próprios textos - em primeiríssima mão e com hipóteses falhadas até à hipótese correcta - e que não deixarão de o fazer aos dos seus colegas.
Por isso quando dentro d'O Último Livro se refere a proximidade da trama à d'O Nome da Rosa, o leitor já teve amplas oportunidades para recordar o livro de Umberto Eco por si mesmo. Não esperaria é que num livro, mesmo se este se dedica à metalinguagem como exercício criativo, o seu autor revelasse esta essência do processo criativo da extracção de uma excelente pista (leia-se ideia) alheia em direcção a um crime (leia-se obra) própria e original, espera-se.
Um "livro assassino" nas mãos de um Stephen King dava azo a circunstâncias bizarras mas nas mãos de Zoran Živković dá azo a uma receita em que se frui da mistura ainda melhor do que os seus componentes soltos: policial, fantástico, bibliofilia, metalinguagem, classicismo no seio da modernidade (entre outros elementos a encontrar e enumerar a gosto).
Se tanto o comparam a Borges é pelo elevado padrão que o escritor argentino estabelece, mas cada detective (leia-se, leitor) fará, consoante os conhecimentos e referências de eleição, a sua enumeração de outros escritores a quem Zoran Živković dá resposta à altura.
Escritores a quem Zoran Živković poderia ter pilhado ideias para outros finais ou que gostariam eles de ter pilhado em nome das suas criações.
Por esta combinação de elementos, os leitores deste livro tirarão enorme prazer de serem detectives das suas páginas. Mais ainda quando se aperceberem que as pistas aqui não são simples e que dificilmente adivinharão o desfecho ou o quererão apreciar apenas uma vez para dele desfrutarem na sua totalidade.
Este livro é uma cri(me)ação para (resol)ver mais do que uma vez!


O Último Livro (Zoran Živković)
Cavalo de Ferro
1ª edição - Março de 2011
280 páginas

2 comentários:

  1. Concordo consigo.
    Ainda que a maior parte da literatura publicada não se assunma como policial, o certo é que na trama dessa maioria se desenvolvem os ingredientes dessa vertente literária. Há, no entanto, a considerar que a literaura policial (não gosto do termo, porque é restritivo)não é um produto menor e não se considera essa consideração em colecções estanques do género, as quais já nem se publicam no nosso País.
    Mesmo num romance "do coração", a trama desenvolve-se, na sua maioria, num ritmo de mistério, efabulado pelo autor de forma a manter a apetência no leitor para virar as páginas.
    Posso mesmo assegurar-lhe - por experiência própria - que é difícil escrever um livro policial de raiz policiária; talvez porque a génese deste género esteja na "falsidade" do autor, nos desafios de descoberta que ele propõe ao leitor, no imprevisto com que culmina a obra, dando a quem lê a possibilidade de se considerar um verdadeiro investigador - portanto, tambbém ele um autor - ou deslumbrar-se com a capacidade de raciocínio do escritor.
    Embora a maioria dos livros publicados e traduzidos em Portugal possam integrar-se no género do romance policial, por alguns pruridos de pedantismo literário, não assumem essa vertente.

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  2. Peço desculpa:
    Como não pré-visualizei o texto, para além das gralhas de quem digita em caixa de comentários, saiu uma redundância em considera e consideração.

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