quarta-feira, 28 de março de 2012

Um bom livro juvenil

Lancei-me à tarefa de conhecer o máximo da obra de Zafón por via do seu primeiro livro, sabendo de antemão que se tratava de uma novela dirigida a um público juvenil.
O seu grande benefício está precisamente em ter sido escrita (1993) quando os leitores ainda podiam ser tratados como jovens e não como os jovens adultos de hoje em dia que obrigam a que os livros tenham um retrato do mundo que conhecem pelo meio da literatura.
Tendo sido escrito para os jovens, consegue romper a barreira que os separa do público adulto e mais exigente, que aqui reconhecerá um conto gótico classicista deslocado para um período em que o grande avanço tecnológico é um projector de cinema caseiro.
Motivo de serenidade, portanto, que não haja mensagens de telemóvel ou chats de internet a tomarem o lugar da boa construção narrativa - e a gerar a rejeição dos leitores amadurecidos que quererão experimentar este livro por conta dos mais recentes do autor.
O herói não tem mais do que 13 anos e o seu arqui-inimigo é o ser que dá nome ao livro, de grandes e misteriosos poderes.
A luta desigual vive de mais do que o desequilíbrio das capacidades e das chances de cada um triunfar. Vive de mais do que o confronto do entendimento puro e pueril do Bem com a matreirice antiga do Mal.
Vive, sobretudo, da capacidade de vitória e derrota que o mais novo dos oponentes revela no espaço do desconhecido que lhe sobra entre o que descobre e o que nem imagina sobre o inimigo.
Zafón alimenta a história dos medos naturais do rapaz recém-chegado a uma aldeia, vindo da cidade para escapar à guerra.
Elementos habituais - e sempre eficazes - para esses medos são a atmosfera tensa da nova casa há muito entaipada, os perigos fantasmagóricos que aguardam nos destroços de um antigo barco afundado, a vida sugerida pelas estátuas que ocupam o espaço central de um jardim de que ninguém cuida ou um misterioso faroleiro com conhecimentos da velha maldição cigana que está finalmente em marcha.
Perante isto, os perigos de se perder no jardim ou se afogar por entre os escombros são tanto realistas como carregados do sobrenatural que o indefinido mas poderoso vilão insufla naqueles objectos inanimados que tentam se voltam contra ele.
Max enfrenta tais terrores em nome do grande amigo que fez naquele Verão e da promessa que fez ao faroleiro (um mestre que o toma sob protecção); e que esse amigo serve de cavaleiro andante à irmã de Max, entendemos que as voltas que Zafón dá em torno desta pequena estrutura de relações é de uma nostalgia dos feitos - reais ou imaginados, amorosos ou aventureiros - que muitos adultos alcançaram, em tempo de férias, quando tinham a idade dos protagonistas.
Uma nostalgia que sublinha o prazer pronto a ser desvendado pelos adultos leitores para lá das aventuras que mexem com os mais novos que não saberão nada de tal sentimento.
Também etravés da escrita de elevado cuidado, Zafón vai mexer com essa nostalgia. Neste caso, nostalgia pela possibilidade de saborear a linguagem no processo de encarnar as personagens que disputam à imaginação própria o divertimento (quando não deslumbramento) que ela ainda saberá criar.
Conclui-se que a ligação ao livro serve tanto as camadas juvenis e adultas, sendo uma boa entrada na leitura ou uma boa recordação de como outrora tal se fez.
Quanto aos jovens adultos, parecem (tristemente) condenados a ficar de fora dos que podem apreciar este livro.


O Príncipe da Neblina (Carlos Ruiz Zafón)
Planeta Manuscrito
1ª edição - Setembro de 2011
208 páginas

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