domingo, 14 de agosto de 2011

Crime à beira-mar plantado

Não se sabe o que esperar de um livro que é, até certo ponto, um texto de História (melhor, da particular História do crime nacional). Mas que, no fundo, é uma revelação do Passado para a modernidade.
Os relatos apresentados são aquilo a que chamaria um discurso do comediante intelectual. São construídos naquela forma de quem conta uma história pontuada de comentários irónicos, mas a quantidade (e qualidade) da informação impede sempre que se reduza o que se lê à mera piada curiosa.
No seu conjunto - embora ainda estejam longe de uma totalidade, visto que haverá um segundo volume e sabe-se lá quantos casos ficam de fora - dão um retrato de um país que sempre viveu perante uma violência generalizada e gigantesca.
Violência que era partilhada entre os criminosos e homens da lei. À violência (ou mera ameaça de tal) dos primeiros respondiam os segundos, por vezes, com medidas extremas.
A violência era regra abusada por todos, pelo que se tornava natural conviver com o incómodo permanente causado pelo crime e o espectáculo macabro causado pelo julgamento (cuja sentença, de tempos a tempos, lá conseguia encontrar a sua forma de justiça).
Havia um ou outro acto de clemência, mas a população tinha o gosto por seguir as consequências da violência e, sobretudo, as revelações idioticas dos menos brilhantes dos seus executantes.
Claro que nestes relatos não há só um festim de carnificina. Há também detalhes fascinantes a reter, dos pessoais aos Históricos.
Até os primórdios daquilo que as séries de investigação criminal tornaram em léxico comum surge aqui, como na forma como se começaram a fazer recolhas para descobrir traços de sangue subsistentes num chão lavado.
Mas a violência está primeiro, fascinante e, acima de tudo, clarificadora sobre a convivência deste país com o crime e o seu relato. O número de textos literários escritos a partir de alguns dos crimes aqui presentes surpreende e acaba por nos entristecer que a versão moderna dessa leitura popular tenha passado das mãos de Camilo Castelo Branco para as dos jornalistas do Correio da Manhã.
No fundo é uma leitura essencial - e muito bem conduzida por um interessado com um minucioso grau de pesquisa feita - para um Portugal de outrora que se vai alongando para o século XXI de formas menos honrosas - isto, claro, se entendermos a justiça violenta de outrora como honesta apesar de errada.
Só em direcção ao final do conjunto dos relatos perde-se a sensação de descoberta. O interesse já não é tão acentuado pois a novidade já se esfriou mas, sobretudo, porque os Roubos de Sacristia não têm a panache do Banditismo à Moda Lusitana nem os Crimes do Diabo aguçam os nervos como as Mortes de Alcova.
Estruturalmente, este era um livro em que a escalada de violência vinha a calhar, pois era também uma escalada de riso.
O mesmo, já agora, se deve dizer das ilustrações que vão passando de leituras próprias dos relatos a reproduções dos mesmos. Mas, lá está, julgo que tal continua a ser culpa da menor inspiração que a Inqusição causa quando colocada lado a lado com um (imaginário) "par de cornos".


Crime e Castigo no país dos brandos costumes (Pedro Almeida Vieira)
Planeta Manuscrito
1ª edição - Abril de 2011
200 páginas

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