sexta-feira, 10 de junho de 2011

Vidas que passam, riso que fica.

Imaginemos que uma mulher chega a casa e surpreende o marido a examinar a sua própria merda com um palito.
Está começado o livro, assim, com um parágrafo que intriga e aflige.
A mim levantou-se-me a vontade da dedução e lá fui acreditando que havia de ser sólida e em abundância, pois um palito não serve a uma consistência líquida e convem que a merda esteja acessível acima do limite da água na sanita.
Mas não se aflija o leitor com menos vontade de divergir ou com uma imagética mais sensível. Nada disto que me passou pela cabeça é confirmado (ou desmentido, para esse efeito) no livro que tem depois muito mais para contar.
São histórias dentro de histórias a sugerirem mais histórias. Mas faz tudo sentido ou não houvessem por aqui doidos suficientes para levarem a bom porto a ousadia do burlesco, a desvergonha da imaginação e o fascínio do riso.
Há vidas para todos os desgostosos, loucuras para todos os incautos e personagens para todos os duvidosos.
Há diversas "-filias" para descobrirmos que mostram a natureza mais surpreendente, terna, triste e (provavelmente por soma das partes) ridícula da humanidade. Que o diga a mulher que o marido tornou numa verdadeira cadela...
E há, até, um jogo desanimador sobre os próprios livros a necessitarem de product placement e publicidade para renderem nas bancas. Livros, de preferência, com muitos espaços em branco para que os publicitários os preencham e poucos espaços impressos pelo próprio autor. (Felizmente que a imaginação deste contraria tudo isso e nos faz amaldiçoar os espaços em branco que ele ainda deixou por preencher!)
Nessa altura do livro voltei a imaginar anúncios a cuecas comestíveis separando um parágrafo de sexo ardente de um outro de descoberta do embaraço sentimental.
Sem falar numa personagem hipotética que lavando os dentes enfrenta o espelho e reflecte na vida tendo lá pelo meio uma referência à Pasta Medicinal Couto!
E fiquem sabendo que a vantagem em viajar de comboio é poder sair e reentrar sem nos esquecermos do caminho ou do destino. Como um bom livro, que se tem de interromper mas do qual não nos desviamos.
Este leva-nos, mais paragem menos paragem, até a um riso duradouro perante a vida.



Vantagens em Viajar de Comboio (Antonio Orejudo Utrilla)
Minotauro/Edições 70
1ª edição - Outubro de 2010
120 páginas

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