segunda-feira, 23 de maio de 2011

Um private dick português

Há mais de um português calcorreando as ruas de Nova Iorque, mas só um as pisa vendo as calçadas desenhadas que temos por cá.
Um "Sherlock" lá do beco, que foi investigar para Nova Iorque como se esta fosse o Bairro Alto das comadres que tudo sabem e tudo contam.
A sua vida divide-se entre a admiração pela sua Newark e a saudade do seu Portugal. Dois pedaços da sua identidade que já é tão Nova Iorquina como é Portuguesa.
Ele já é tanto um detective de gema daquela cidade como é um saudosista membro da comunidade emigrante.
Ele até pode estar envolvido no roubo com mais ramificações que aquela cidade já viu, mas a sua vocação são as descobertas dos mistérios de "faca, alguidar e cornos". Os gangues da cidade envolvem-no na investigação mais importante, dão-lhe uma pista, mas é o caso do marido amantizado com uma brasileira que lhe proporciona uns avanços.
Só que ele é mais Archie Goodwin do que Nero Wolfe. Como lhe costumam dizer, falta-lhe o golpe de asa, falta-lhe a perspicácia para fazer sentido do acaso.
Ele é um detective sem a dureza que os private dicks precisam, mas tem a poesia de um saudosista poeta do povo.
Como ele diz da sua profissão, colecciona segredos mas gosta mesmo é de banalidades. Casos fáceis feitos de rotinas que, no fundo, lhe deixem tempo para fazer a vida que gosta, preenchendo-a de figuras excepcionais (e comuns, não esqueçamos) e de hábitos de reconhecível prazer.
E não há figuras mais assinaláveis do que aquele conselho de quatro "sábios" que ele consulta. Quatro velhos de vão de escada ainda mais rabugentos por terem tido de abdicar do seu Restelo.
Este é um detective privado português em Nova Iorque, arrastando a cidade para o seu nível de romantismo envelhecido e saudoso, ao invés de se erguer à sofisticação da Grande Maçã.
Cá por mim, que também sou português, já me deixa saudades e quem me dera que ele tomasse aquela cidade mítica de assalto, que ela já parece tão nossa...


O Trompete de Miles Davis (Francisco Duarte Azevedo)
Planeta Manuscrito
1ª edição - Fevereiro de 2011
304 páginas

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