quarta-feira, 11 de maio de 2011

Quotidiano de largo espectro

Estamos perante um retrato muito vasto da vida do País Basco no tempo de maior actividade da ETA. Um retrato ousado e inteligente porque conta as consequências - em muitos casos indirectas - dos atentados e os sentimentos populares da luta pela independência.
Não há conto algum que se foque na violência e, por isso, evitamos ler sobre uma realidade que pode ser evidente para quem tenha visto imagens de tais eventos.
Estes contos partem sempre de personagens com personalidades diferentes e envolvidas em situação diferentes.
Uns esperam, outros sofrem e outros ainda são acossados. Quais deles são culpados e quais deles são inocentes numa guerra que faz tantas (talvez mesmo mais) vítimas de julgamento como vítimas contabilizadas nas estatísticas.
A militância surge como uma obrigação e a denúncia ou o boato como os resultados desse extremismo.
A defesa do Euskal Herria obriga a que a aparência seja imaculada e nem a vimitização ou a superioridade moral servem quando alguém caiu na desgraça da dúvida dos mais sectários.
A predisposição do povo basco para se comportar de uma forma feroz em público enquanto esconde a sua simpatia para com as famílias que sofrem injustamente é um traço único na vivência daquela região.
O quotidiano de um povo que não descansa enquanto não expulsa os menos crentes na sua causa, apenas para os ajudar com dinheiro e trabalho na altura da partida, tem de ser alvo de interesse e compreensão obrigatórios.
Infelizmente, alguns dos contos - um deles de maior fôlego - acabam por cair no erro de se embrenharem tanto na vida das suas personagens que se tornam apenas nisso, um relato quotidiano mais curioso do que elucidativo da situação de onde surgem esses personagens e os seus estados de alma.
São dois ou três contos fechados sobre aquelas vidas e sem deixarem uma abertura para que se continue a olhar a existência daquela região.
Marcam algum desequilíbrio no conjunto de contos que é, de resto, abrangente para um universo fechado e pequeno, além de ser sempre bem escrito, mesmo com as muitas cambiantes de estilo na abordagem a cada conto.


















Os Peixes da Amargura (Fernando Aramburu)
Minotauro/Edições 70
1ª edição - Outubro de 2010
224 páginas

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