segunda-feira, 11 de abril de 2011

A ironia de escrever

Continuemos a encontrar a nossa própria construção de Rubem Fonseca neste seu novo livro.
O seu livro sobre um escritor deixa traços daquilo que ele será. Fala-nos de outros autores que lhe guardam a criação, de comportamentos que o caracterizam.
Ou então mente descaradamente. Cria a personagem de um escritor que é, na sua maioria, o contrário do próprio Rubem.
Vale-nos que todo o autor é uma construção ficcional. Existem escritores, pessoas de vidas mais ou menos interessantes, que existem para quem os conhece. E depois existem autores, as versões reveladas dos homens, entregues a todos os leitores e observadores para que se contentem em dar vida a um nome ou uma foto impressas na capa.
José Rubem Fonseca é o escritor de vida recatada. Rubem Fonseca é o autor mistério, personagem de cada um dos seus leitores. Mil vezes criado e mil vezes distinto.
Neste seu exercício de intriga e literatura, nada há senão brilhantismo que é fácil de verificar, assinalando o domínio exacto que Rubem tem da evasão temporal, da gestão intriguista e da construção contista (integrada na obra, sempre).
São muitas as histórias dentro das histórias, as personagens e os eventos que surgem e que se sustentariam por si mesmos ainda que dêem o seu enorme contributo ao resultado global. O seu conjunto produz o desabrochar do alcance da obra, um policial delicioso que é uma colecção de retratos inigualável.
Tudo isso, ainda assim, é a revelação secundária de um livro que é um longo desafio de meta-linguagem.
Para dar uma ideia do que Rubem Faz neste livro com o processo de escrita, teria de recorrer ao cinema, mais precisamente ao argumento de Adaptation de Charlie Kaufman.
Rubem escreve da forma mais atraente possível uma das realidades da própria escrita.
O escritor, figura central, é personagem da sua tentativa de escrita, é o que conta e como o conta.
Bufo & Spallanzani retorce as nossas expectativas para revelar que o artifício de escrever é uma maravilha de assistir. E, lá está, tal como disse no início, o jogo de construir o autor Rubem Fonseca é nosso tal como é dele.
Aqui, a construção é a própria literatura, revelação da transformação do escritor em personagem. Tudo repleto de ironia e de sinceridade. Ou assim quero crer.


















Bufo & Spallanzani (Rubem Fonseca)
Sextante Editora
1ª edição - Fevereiro de 2011
232 páginas

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