domingo, 6 de março de 2011

Boa companhia

O que primeiro me fez ler este livro foi o facto de Jonathan Ames ser o autor do romance que deu origem à série Bored to Death. Série existencialista tragicómica que reinterpreta (e venera) Raymond Chandler.
Neste livro ele faz o mesmo com Scott Fitzgerald e os seus pares, trazendo para a ribalta o jovem Louis com desejos de ser um jovem cavalheiro da década de 1920.
Um jovem que, apesar disso, está a viver a década de 1990 em Nova Iorque e que, portanto, enfrenta o que essa década tem para mostrar e que ele ainda não chegou a descobrir, a sexualidade.
Circulando entre o mundo da transexualidade, ele procura desvendar a sua preferência e o seu grau de relação com as mulheres, se as deseja ou se deseja ser uma delas.
Fá-lo em segredo para não irritar o homem a quem aluga um quarto, figura caricata que está perto de ser um gigolô de luxo para a terceira idade mas que alardeia uma moralidade rígida.
Louis vive sempre para modelos que, se não são errados, sao pelo menos desorientadores: os personagens livrescos, o mundo travesti e o seu apreço do seu senhorio.
De tudo isto ele busca a aceitação e a pertença. Três lugares inconciliáveis para tal demanda.
Daí que Louis seja tão rico e admirável, uma personagem sensível que não desiste de procurar e ceder à tentação mesmo quando o falhanço o trata dolorosamente.
Mas também o seu senhorio, Henry, vive na busca da conquista. De refeições gratuitas, que lhe tragam mais contactos que possa usar e que o possam usar, que lhe tragam uma existência ocupada.
A solidão é o que equipara ambos embora leve algum tempo até os aproximar. Ambos solitários querem amor embora um desconheça como o identificar e o outro desconheça como o exprimir.
São ambos seres defeituosos. E como todos os seres defeituosos, profundamente defeituosos, são admiráveis na sua sobrevivência neste mundo.
Vivem com emoções e traumas calados, mas nem por isso recusam encontrar a felicidade a cada pequeno ponto.
Louis permanece indeciso como pessoa até ao final e Henry permanece enigmático. Estão bem nesse momento um para o outro, com espaço para manobrarem na direcção comum. E, também, com um pouco de esperança e outro tanto de moderação.
Depois de tudo o que passam nos seus mundos individuais, vamos é descobrir o que aprenderam no seu mundo comum: que têm necessidade de ver o espaço emocional ocupado.
Será algo como um buddy book mas que dá uma importante volta para lá chegar.
Jonathan Ames é um entertainer, um escritor de talento que não se amedronta nem com o riso nem com comoção.
Um entertainer que por baixo de ambas as emoções tem uma reflexão profunda pela qual responsabiliza os seus leitores.
Escreve com inteligência e beleza, tão divergente e adorável como as suas personagens.


















O Acompanhante (Jonathan Ames)
Contraponto
1ª edição - Setembro de 2010
424 páginas

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