domingo, 13 de fevereiro de 2011

Criança, mulher, vingadora

Indomável é a adjectivação que merece uma rapariga de 14 anos que afronta dois dos homens mais duros.
Ela desafia-os porque os acompanha, mantém-se a seu lado, equivale-lhes em quase tudo.
Um é um velho rezingão de tiro fácil e gosto pela bebida que passou por muitas vidas antes de chegar a marshall.
Outro é um garboso e arrogante ranger com uma folha brilhante na caça ao homem.
Nenhum dos dois tem disposição para ver que a sua resistência e a sua determinação encontram rival nessa miúda que mal sabe carregar uma arma.
Ela não é apenas uma rapariga de 14 anos, é uma rapariga de 14 anos cujo maior desafio até aí tinha sido uma caça ao guaxinim e que ao ficar orfã de pai assume os seus negócios de improviso, com uma personalidade que, provavelmente, não sabia que tinha dentro de si.
Dois marmanjos a terem de conceder que a miúda os vence porque não desiste de os acompanhar a cada passo e que, por vezes, até tem mais iniciativa do que eles não é um espectáculo esperado ou bem aceite.
A mulher não é aqui apenas a narradora da sua infância. É a personagem central de um Oeste violento e impiedoso que a deveria amedontrar ou remeter ao seu papel na lida da casa, mas que a leva a liderar uma vingança contra um assassino de bárbaro carácter.
Diria que é libertador encontrar esta inversão de papéis num western mas não há nenhuma intenção educativa sobre o poder de emancipação da Mulher em épocas que não lhe pertenciam.
Charles Portis escreveu uma aventura brilhante narrada e conduzida por uma inesquecível personagem, dando-lhe uma postura extraordinária numa voz verosímil.
O tema central sobre a confusão da justiça com a vingança, bem como o tema secundário da união de vontades para um mesmo objectivo apesar da separação de motivações, não poderiam ser mais Americanos, sem esquecer ainda o género do livro perfeitamente tradicional.
Tão pouco tempo depois de ver os Estados Unidos da América à procura de mais um great american novel em Freedom, tendo a concordar com Ron Rosenbaum em como Charles Portis é um dos melhores romancistas americanos de que ninguém ouviu falar. Não sei se será por ser um western ou por ser construído com base numa certa ideia de inocência feminina em perda que nunca ninguém lhe deu a atenção devida.
Ou então porque além de ser bem escrito e de reler um tema conhecido de forma absolutamente original, é um livro pleno de humor e cuja leitura proporciona um tempo repleto de soberbos detalhes que se agarram à memória mas também divertido.
Divertido mesmo. Tão divertido que nenhum leitor negará que queria mais páginas para este livro onde se desvendassem outras aventuras desta mulher que cita muitas vezes a Bíblia a meio do seu relato de um acto de vingança pouco cristão.


















True Grit - Indomável (Rudyard Kipling)
Editorial Presença
1ª edição - Janeiro de 2011
184 páginas

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