sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Personagem autor

O Especialista faz de si próprio personagem, ou não construísse um novo nome para ele próprio quando decide abandonar a profissão que tinha. Tem muita pose, como convém a um assassino - ou a um ex-assassino que, no final de contas, não pode fugir do que sempre foi.
Ao leitor afirma que não retira prazer da matança, mas deixa que o relato se alongue com os contratos que o encheram de orgulho.
Com os seus parceiros faz a contabilidade dos saltos de mulher para mulher, mas logo se apaixona até à monogamia.
O personagem não é todo ele fabricação, é também em parte pura complexidade humana.
José retira prazer da leitura, sobretudo da poesia, mas também ouve rock nos auscultadores.
pontua a sua vida com citações dos clássicos em Latim mas distribui alcunhas com o sabor do calão.
A sua pose distante cede ao conforto de uma mulher, os seus instintos calculistas vergam-se quando ela duvida.
Quanto do livro é ficção e quanto do livro é reprodução do seu autor?
A pergunta surge mas a resposta não interessa verdadeiramente. Ainda assim temos a fixação em sabê-lo.
Que leitor não acreditará que os prazeres de José são também os de Rubem?
José é tão humano como nós. Poderia ser tão real como nós, mas está na página.
Rubem é tão real como nós. Poderia ser tão ficcional como os seus personagens, mas viveu mais do que a conta.
Não sabemos exactamente quem é José, como não sabemos exactamente quem é Rubem. Adivinhamo-los pelos pormenores, pelo pouco que contam.
Rubem parece deixar um pouco de si em cada um dos seus noir, ou gostamos de assumir que sim por ele ter sido polícia.
Deixemos que ele nos deixe várias vezes mais a adivinhar, sobretudo enquanto os seus livros tiverem esta desenvoltura no manejo da língua, esta ferocidade cinematográfica e este encanto de imperfeição brilhante.


















O Seminarista (Rubem Fonseca)
Sextante Editora

1ª edição - Setembro de 2010
136 páginas

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