sábado, 9 de outubro de 2010

Ler até ao fim

O que dizer do último leitor, o homem que numa aldeia sujeita à seca morre de fome mas não morre sem ler? Do homem que não tinha leitores, que perdeu o apoio do Estado, mas nem por um nem pelo outro motivo fechou a sua biblioteca?
Dizer que ele é, igualmente, o homem que numa das suas salas cria baratas alimentando-as com os livros que ele lê só para descobrir que não merecem o espaço na prateleira.
O último leitor é o crítico que todos adoraríamos ser, atirando ao buraco do nojo e do esquecimento as páginas imerecidamente impressas.
O seu sentido crítico não olha nem à religião, corrigindo a “fé” das relíquias e a qualidades sintáxicas da Bíblia.
Um crítico que tem, como julgo que todos os leitores, uma prateleira de favoritos conservados e recordados mas que é único quando concretiza o desejo de condenar ao seu pequeno poço de ódio os livros que algumas pessoas ainda se julgam obrigadas a sofrer até ao final.
Não é este buraco com vista para o inferno literário que o último leitor tem de mais distinto ou atraente.
O último leitor descobriu que a vida vem nos livros sobretudo se colocarmos os livros a jeito para moldarem a vida.
Os livros sabem tudo se soubermos qual é o livro certo.
Esconda-se um cadáver, perca-se uma filha, morra-se, confesse-se. Está no livro, mas qual?
O último leitor sabe-o e, por isso, contra a seca, contra a fome, contra a polícia e contra a pura contrariedade, ele defende a sua biblioteca que está na sua propriedade e, por isso, não a fecha.
O último leitor levará a literatura até ao final do mundo, levá-la-á em seu nome mas ao serviço da humanidade.


















O último leitor (David Toscana)
Oficina do Livro
1ª edição - Fevereiro de 2008
216 páginas

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