domingo, 8 de agosto de 2010

O poder do (micro)Cosmos

Escrever sobre a convulsão pessoal de uma rapariga no seio de uma convulsão social de uma Brooklyn dos anos 1950 podia ser um mote para fazer um retrato grandioso e demonstrativo do mundo como ele era.
Isso seria um arrojo, uma obra para aplauso e imersão num mundo em que nunca poderemos viver senão pelo talento de um escritor.
Pelo contrário, fechar a convulsão pessoal de uma rapariga sobre ela própria e permitir que só ela componha o livro parece mais um risco de ir aborrecendo o leitor ou de (tele)novelizar a desgraça.
Colm Tóibin nega os dois entendimentos prévios de um livro assim e fecha sobre a sua protagonista, ela própria inocentemente fechada para o mundo, um livro que é magistral.
Eilis não se interroga sobre o mundo, como poderia quem tem de vencer as suas próprias pequenas batalhas. O mundo e os seus dramas larger than life são para quem tem a segurança garantida.
Ela tem de conquistar a sua vida, compreender os seus pequenos desejos, desfazer os vacilos do seu coração.
A vida de Eilis é o que é possível para ela, que se sente perdida numa cidade onde toda as suas possibilidades não lhe apagam a falta da mãe; que se sente depois confiante e acolhida a tal ponto que se perde de amores de ambos os lados do Atlântico quando ainda há pouco era tão temerosa e consciente.
O mundo pode esperar, pode mesmo nem surgir quando a vida tem estes dramas e estas questões que só são menores para quem não as enfrenta.
Uma vida que, com quem nela se cruza, gera um forte conjunto de tensões, confrontos, dúvidas e incertezas.
Uma demonstração de que a classe média (mesmo média-baixa) cria uma realeza própria, cria intrigas palacianas ao nível de uma casa com quartos para alugar.
Não se ultrapassando o grau de consciência da protagonista, os episódios da sua vida não se tomam por pontos de um percurso que gera interpretações. Os episódios não desembocam em conclusões e demonstrações, não são metáforas ou revelações.
Os episódios desembocam apenas em si mesmos. Quando o interesse de Eilis passa eles como que deixam de existir ou de fazer sentido.
A vida será mesmo estas batalhas sempre enfrentadas e ultrapassadas, não importa o seu resultado. Seguir em frente até que as circunstâncias surjam e depois agir.
Eilis não é volúvel, é uma rapariga a aprender o que é a sua realidade e, por isso mesmo, titubeante nos passos que dá. Vemo-la como ela se vê e isso é emocionante por si só.
Demonstra-se assim que a vida tem um poder enorme, uma força independente e nada negligenciável que nos exalta por si própria sem a necessidade de um mundo externo que a contextualize ou a oprima. Um microcosmos que merece existir por ele próprio.


















Brooklyn (Colm Tóibin)
Bertrand Editora
Sem indicação da edição - Maio de 2010
256 páginas

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