sábado, 27 de março de 2010

O limite dos relatos

Lemos aqui sobre os limites do humanamente possível, quer da parte de quem sofre, quer da parte de quem inflige esse sofrimento.
O limite a que uma pessoa cala e permanece onde só o mal a espera e como esse mal retorna mesmo quando já se julga em segurança. O limite a que uma pessoa, por sua vontade ou por pura estupidez, anestesia a consciência e a culpa do que deixa ou do que está a fazer.
Esses limites não vêm com reflexões conscientes das suas causas, não têm fundo terapêutico, são meros pontos a que se chega sem mais.
Apesar disso, o fluxo de consciência de Precious amansa o relato, que tem momentos de escape que minam o impacto directo do relato.
Amansa pois não é ela uma personagem que consiga sustentar o relato por si mesma, é o sofrimento a que parece condenada que a torna digna de nota.
Quando as suas intervenções pessoais surgem no texto, são como um pequeno momento para respirar quando estamos mergulhados no horror.
Particularmente preferia que o relato fosse inexorável com o leitor, a personagem desabrigada perante os eventos, o relato tão desprovido de emoções ou escapatórias que o leitor estaria a ser ele próprio massacrado para a realidade do mundo de que em geral está alienado.
Mesmo aqueles que têm consciência do género de crueldade que sofrem estas vítimas olham-no com um certo desfasamento, com leviandade de quem não sente o que ouve.
Um relato na primeira pessoa, clínico ainda que obviamente pessoal, era a forma mais eficaz de chegar - como parece ser a intenção geral do livro - à consciência de quem enfrenta as páginas do romance.
Aliás, a amostra final do livro de turma, onde os vários personagens da aula de literacia escrevem os seus próprios relatos de anos de abusos e solidão, com um estilo pessoal mas sem floreados de espécie alguma.
Estes relatos, também por virem no final do livro, são o que de mais forte guarda o livro depois de se encerrar.
Cada uma dessas personagens merecia o seu próprio espaço, possivelmente num livro de contos sobre o sofrimento.


















Precious - A força de uma mulher (Sapphire)
Alfaguara / Editora Objectiva
1ª edição - Fevereiro de 2010
184 páginas

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