quinta-feira, 4 de março de 2010

Escapar

Uma mulher acorda ao lado de um cadáver que não se lembra de ter assassinado, mas começa logo a fugir.
É o mesmo género de culpa que aflige todos aqueles que, apesar de terem a consciência tranquila, instintivamente se amedontram quando a polícia lhes bate à porta.
Então ela foge da forma como se aprende a fugir na ficção. Levanta o dinheiro que tem, viaja pelas cidades pequenas e desconhecidas, não deixa rasto.
Mas não se liberta logo do seu estilo de vida, vê-se obrigada a ir perdendo-o à medida que as peripécias a afligem cada vez mais.
Há um ponto em que deixa de haver retorno possível. Tem de continuar em fuga, porque a fuga se tornou a única coisa que tem sua.
Sem dinheiro nem casa, continua em fuga até ao limite. Até que finalmente retorna à sua velha vida.
Só que nessa altura tudo se demorona, a fuga perde a razão de ter começado.
Então certamente que a fuga é a fuga por mérito próprio, uma fuga de que a personagem central necessitava acima de tudo.
Se umas pessoas tiram uma sabática, outras precisam deste resvalar para o vazio.
Cada um foge da estranheza e da pressão da vida comum como pode.




















Um ano
(Jean Echenoz)
Terramar
1ª edição - Maio de 2000
100 páginas

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