sábado, 2 de maio de 2009

Tempo de feira

Não tenho acesso a dados estatísticos, nem posso com justeza fazer uma avaliação peremptória da 79ª Feira do Livro de Lisboa.
Por isso mesmo limitar-me-ei a alguns apontamentos de opinião sobre o assunto, após ter lá passado o dia 1 de Maio.

Em tempo de crise - e em qualquer outro tempo, confessemos - espera-se que a Feira seja um bazar de genuínas oportunidades e uma confluência de vontades - a de comprar e a de vender.
Não parece ser o caso (generalizado) desta Feira.
Em muitas livrarias pratica-se ao longo do ano descontos que superam muitas vezes os costumeiros 10% e não é raro ver "promoções", "feiras" ou "oportunidades" lançadas a vulso em diversos meses.
Para que as pessoas se apressem a comprar em quantidade, como só a Feira do Livro possibilita e incentiva, é necessário apresentar argumentos de atração inegável.
Esses argumentos costumam ser dois.
O primeiro, o do reencontro com títulos para os quais as livrarias já não guardam espaço quando a avalanche de novas capas as invade ou de iniciativas verdadeiramente intrigantes.
O segundo, promoções de encher o olho, inquestionáveis e apelativas.
Falemos então desses argumentos olhando para casos particulares, das editoras que mais atenção me mereceram.

Começo com a Presença e os seus múltiplos e grandes pavilhões.
As novidades da Presença apresentavam-se, geralmente, com 10% de desconto. Se não se espera nunca que as novidades sejam desbaratadas, a verdade é que os míseros 10% - que se encontram em qualquer livraria de grandes dimensões - surgem como pura arrogância de quem sabe que "faça o que fizer" irá vender.
É uma forma não declarada de desrespeito ao cliente e cria uma sensação de desconforto que se reflecte na abordagem a outros títulos, que ao contrário das novidades não têm direito a destaque mas têm já direito a desconto.

Da Cavalo de Ferro, lamento que tenha sucumbido ao mesmo mal.
Em anos anteriores era este o pavilhão em que gastava, alegremente, mais dinheiro, mas simultaneamente era mais recompensado.
As promoções da Cavalo de Ferro eram o que de mais parecido havia com o espírito feirante, reunindo "pacotes de autores" que permitiam trazer toda a bibliografia disponível por uma fracção do preço ou descendo os preços individuais dos títulos de fundo de catálogo na razão inversa do número desses que trazíamos connosco.
Só mais tarde, ao chegar a casa, associei as coisas e compreendi o porquê da Cavalo de Ferro não ter um pavilhão exclusivo nem promoções costumer friendly, ter sido comprada por um outro grupo editorial.

Falando em grupos editorias, abordemos a Leya, cuja teimosia do ano passado tem obrigado a uma interessante evolução geral.
Ao criar o seu próprio espaço, a Leya consegue gerar um fluxo de pessoas dentro da sua própria diversidade.
A centralidade das caixas, apesar de fazer aumentar o tempo dispendido nas bichas para pagamento, tem também o condão de fazer a pessoa circular mais antes de lá se dirigir.
No entanto, o sistema de loja, com alarmes e segurança precisa de ser revista, pois contraria o acolhimento e o envolvimento do espaço.
O facto é que o serviço de caixa é deficiente e não retira as bandas magnéticas aos livros, levando a que muitos dos clientes pagantes façam disparar o alarme e sejam abordados à saída pelo segurança para serem (ligeiramente, é verdade) revistados - situação directamente vivida por mim, também. No entanto, é estupidamente - e emprego este advérbio em plena consciência - fácil sair do espaço com livros por pagar - situação já não directamente vivida por mim, descansem as consciências - bastando para tal alguma paciência.
Mas dado que a Leya tem a seu favor a multiplicidade de "livros do dia" (com o costumeiro desconto de 40%) que se contam aos três por cada pavilhão, além de uma promoção generalizada que permite trazer 4 livros pagando apenas 3, o incómodo é esquecido por quem pretende, acima de tudo, ler.


Escuso-me a continuar a dissecar as minhas visitas aos pavilhões, com medo de que me vejam como um queixoso Tio Patinhas, para falar do que referi como primeiro argumento.
Há casos exemplares que este ano apostaram nele, tirando bom partido dos bem mais acolhedores pavilhões que se estrearam.
A Tinta-da-China, com a sua muito apelativa decoração - bem consoante as suas edições - e a sua associação à Penguin Books, da qual anunciou centenas de títulos a preço apetitoso, é um exemplo de valorização inquestionável.
Já na Praça Leya - e se a refiro duplamente de forma elogiosa é por achar que assim deve ser e não por disso me advir qualquer benefício - a oferta cultural, entre debates, workshops e concertos, e a oferta de entretenimento infantil, com teatros de marionetas e a dupla Astérix-Obélix em tamanho real, tem-se o gosto máximo do que a Feira deve contemplar além do livro.
Afinal de contas, a Feira do Livro é, acima de tudo, uma feira.
O seu tema central será o livro, mas este tem de vir complementado, pois é preciso satisfazer um público, muitas vezes familiar, que ali se dirige para passar algum tempo, a par dos que correm ao sabor dos livros.
Por reacção, então sim, esse público será tambem levado a comprar alguns itens.
É necessário apostar mais na interacção, para ambos os públicos, o especializado e o ocasional, talvez mesmo com maior acutilância para as crianças.
Assim se estranha que os dois palcos preparados para debates, onde a proximidade entre editores/autores e público é grande, se vejam desabrigados contra a voz feminina que anuncia os destaques do dia, sobrepondo-se ao que se pretende ali ouvir.
Mas também se reconhece o valor dos ateliers que a rede de bibliotecas preparou para as crianças darem lugar à sua criatividade e relação com o livro.
Afinal de contas, a Feira do Livro é, acima de tudo, uma feira, como as roulottes de bifanas e de churros bem demonstram.


As fotos que acompanham este texto foram desavergonhadamente retiradas do blog Blogtailors.

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