domingo, 17 de maio de 2009

Sob a capa do desrespeito

A capa de um livro é uma arte, o que bem fica demonstrado pelos recentes Prémios Edição Ler/Booktailors.
Por isso mesmo é tão nocivo ver como a Gradiva tratou a capa do seu mais recente sucesso, A vida num sopro.
O autor da capa (lamento não lhe referir o nome, mas já não tenho o livro comigo) pensou-a e montou-a com cuidado suficiente para não ter de a ver mutilada por um grande autocolante que alardeia o número de exemplares vendidos.
Por algum motivo se inventou há tanto tempo a cinta vermelha que clama por atenção só para depois ser insensivelmente deitada ao lixo.
A condição temporária da sua publicidade deixa imaculada a arte da capa, respeitando o seu autor e deixando ao leitor a decisão da sua conservação.
Porque, querendo ou não, o autocolante também desrespeita o leitor, que não arriscará deixar restos de cola e de papel agarrados à capa.
E desrespeita-o quando o obriga a exibir na rua publicidade pela qual ninguém lhe paga. Não é culpa do leitor que a primeira - e a segunda e a terceira e a quarta... - edição se tenha esgotado antes que as engrenagens da sua vida lhe tenham permitido comprar o livro.

Sobrecapa do livro

Mas sobretudo, o desrespeito pelo leitor vem da sugestão falseada que faz do que se poderá ler.
A sobrecapa propõe um reencontro com os mitos profundos da Hollywood clássica, uma partida em direcção a um destino desconhecido, a tela que se fecha para que se abra a imaginação, uma paixão digna de Lauren Bacall abandonada ali na estação.
Já a capa sugere uma vida discorrendo no seio da teia de uma Era intrigante da vida portuguesa, num retrato social de grande fõlego.
O que se encontra, afinal de contas e como já disse antes, é um romance de cordel demorado e pobre.

Capa do livro

Devia o leitor poder devolver o livro à proveniência só por a capa enganar tão vergonhosamente.
Não se julga a um livro pela capa, mas o inverso já fará sentido.
E se a capa é despropositada, podemos sentir-nos humilhados e ofendidos (perdão caro Fiódor) por termos sido levados por ela - ou, no mínimo, com ela - a esperar de um livro aquilo que ele não nos deu!

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