domingo, 29 de março de 2009

Uma descoberta


Deleite é o que melhor descreve essa casualidade de se pegar num livro para "cumprir" com a sua leitura e acabar por descobrir um grande escritor.
Erskine Caldwell (aqui numa foto de Cal Van Vechten) tem a reconhecível qualidade dos melhores romancistas americanos.
A sua pena dá ao leitor retratos profundos, concretos e enraízados nas mais americanas tradições, com a qualidade literária que costumamos reconhecer a Steinbeck ou Hemingway (só para trazer dois nomes à baila).

Caldwell tem um vincado sentido social, denunciando neste caso as vivência injustas e submissas - mas nem por isso menos atribuladas - de dois irmãos, negros, numa cultura sulista.
Ele e ela, vivendo perturbados - por mais que o seu próprio comportamento seja exemplar ao nível da subjugação - pelos desejos dos "brancos".
Desejos esses que se concretizam em todas as formas - sexuais, violentas ou rebaixantes - para que percebamos até que ponto a humanidade pode fazer valer a sua arrogância, mesmo que pontualmente possa também fazer valer a sua bondade.
Bondade que mesmo sincera, acaba por ser regida pelos mesmos impulsos egoístas, acabando por prejudicá-los da mesma maneira.
Olhando agora para este cenário, tudo nos parece abjecto, mas para os leitores de meados do século XX, deve ter sido um confronto ainda mais violento com a sua própria natureza!

Caldwell obrigado o leitor a viver a tensão e a repulsa destas duas vidas.
Os dois primeiros capítulos são extraordinários a esse nível.
A angústia do leitor é profunda e violenta.
Mas ao mesmo tempo cria pequenos pedaços de realidade que se diriam oníricos.
Ao equilibrar a beleza com a amargura, ao ser no limite o redentor - esperançoso - das suas personagens, Caldwell dá provas de ter um talento excepcional.
As páginas de Dois Negros em Estherville contam-se entre o melhor da produção americana, com a atenção devida à denúncia social mas também fazendo valer a construção de um grande romance sentido mas não sentimental.



Em nota final, a capa deste livro anuncia uma história que não se concretiza.
Por um lado é bom, pois o leitor será surpreendido nas suas expectativas, mas por outro é um simples capitalizar de um tema "polémico".
Já a capa da edição Signet de 1959, que ao lado se apresenta, é de certa forma o resumo do livro, mesmo que prometa também algo mais para além do que realmente sucede.
Um jogo sempre interessante de verificar o do marketing do livro e da sua capa.






















Dois Negros em Estherville (Erskine Caldwell)
Livros do Brasil
1ª Edição - 1993
208 páginas

1 comentário:

  1. Excelente crítica ao romance de Caldwell, sem esquecer uma análise à capa da edição portuguesa, remetendo-a para a capa da edição original. O que me leva a pedir uma entrada dedicada aos capistas de livros, esses artistas tantas vezes ignorados nas críticas literárias.

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