sábado, 7 de março de 2009

Escritores de Sofá


No início deste ano, encontrei um exemplar do número 27 da revista 365 abandonado numa livraria, esquecido entre revistas de muito maior porte (pelo menos no que ao formato diz respeito).
Teve de ser meu, finalmente indo ler a revista que até então apenas conhecia de reputação.
Mas talvez fosse o fado desta revista voltar a ficar esquecida até que me decidi a levá-la comigo para ler na viagem que me leva de casa ao trabalho.

O volume reune uma série de escritores, relativamente desconhecidos do público geral - onde desde já me incluo - ou ainda mesmo por editar e descobrir, em torno de um tema único, "Amor de sofá".
A par disso, dá lugar a dois excertos das obras que Mia Couto e José Eduardo Agualusa estão actualmente a escrever, duas pequenas narrativas de José Luís Peixoto e Rui Manuel Amaral e dois poemas de valter hugo mãe e Rui Lage.

Começando por estes últimos, sem dúvida que o mais interessante são os dois excertos dos escritores africanos.
Apesar de não permitirem qualquer dedução sobre os seus novos trabalhos, funcionam quase como pequenas narrativas e deixam o desejo concreto de seguir lendo.
Mais interessante ainda, de futuro, será comparar a versão final editada com a que agora se apresenta, então sim encontrando pontos de evolução na revisão do trabalho dos seus autores.
Uma pequena lição de escrita que aqui se cria, portanto.
Já sobre José Luís Peixoto e a sua "Biografia de Borges", é um exercício de metalinguagem reflexiva escrito em torno de um encontro com um Jorge Luís Borges de Vila Franca de Xira. Nem chega a ser uma curiosidade, esta narrativa e, sinceramente, depois de Nenhum Olhar, não consegui voltar a encontrar uma narrativa sua que me fascinasse, nem mesmo as suas crónicas no Jornal de Letras.
Já o jogo d' "Os espelhos", de Rui Manuel Amaral, é inconsequente e fatídico.
A ironia de "A origem da vida ensinada às criancinhas nos E.U.A" de Rui Lage e a reflexão sobre a memória e a ligação física a meras imagens de "a capa do meu último livro" (valter hugo mãe) são, felizmente, mais gratificantes.

Quanto ao núcleo sobre amor no sofá, como naturalmente seria de esperar, o desequilíbrio de qualidade (ou interesse) dos contos é natural. Destacaria alguns.
"O Amante" de Luísa Cardita, um jogo de sedução (manipuladora) do leitor muito bem trabalhado. Sem dúvida o melhor de entre todos
O perturbador - porque reconhecível - nonsense de "Leonel" de Pedro Santo.
Miguel Marques constroi em "A noite traz luas e fantasmas" a estranheza de uma saudade que pode ser um retrato sincero de uma vida moderna.

A 365 tem ainda uma componente visual complementar aos contos que apresenta.
Dos jogos de imagens - fotos e ilustrações - com os respectivos textos ou com a ambiência da revista têm, também, resultados inconstantes, mas quase sempre interessantes.
Isto, também, porque a vida das imagens consegue ser muito mais independente.
Destacaria, no entanto, as ilustrações de Alex Gozblau (a quem pertence a imagem que abre esta crítica e que acompanhava o excerto do trabalho de José Eduardo Agualusa) que enriquecem, sem excepção, os contos a que se unem.



















Revista 365 #27 (vários autores)
Novembro de 2008
48 páginas

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